Tanto tempo depois, a barrinha de Esmoriz voltará a ter uma ponte e um cais

Projecto de requalificação deverá arrancar este ano. Areias retiradas da zona lagunar alimentarão duas praias, será criado um observatório de aves e a vegetação dunar será reforçada

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Nelson Garrido

A história da barrinha de Esmoriz/lagoa de Paramos é longa. A zona lagunar com quase 400 hectares e um ecossistema digno de respeito, com uma parte em Ovar e outra em Espinho, não tem tido vida fácil. Depois de vários capítulos de promessas e desgostos, parece ter finalmente chegado a hora da verdade.

A sua despoluição fez parte das intenções de vários governos, chegou a ser visitada por António Guterres na pele de primeiro-ministro. Em Novembro de 2003, recebeu o rótulo de área crítica de recuperação ambiental depois de uma reunião do conselho de ministros e o interesse público das intervenções para eliminar a poluição foi prontamente declarado. A praia de Esmoriz sofreu com a perda da bandeira azul num Verão em que o mar recebeu as águas da barrinha, ficou castanho e no ar havia um cheiro que confirmava que a bacia lagunar não andava bem. As campainhas soaram e para evitar as aberturas descontroladas da barrinha ao mar foi criado um dique fusível. A poluição foi diminuindo de intensidade, mas a barrinha continuava a reclamar atenção.  

A Polis da Ria de Aveiro entrou em cena com um projecto de requalificação e valorização que assegura a dragagem, o desassoreamento, a reabilitação do dique fusível, a consolidação dunar, o tratamento das margens e da vegetação, além de passadiços e zonas de lazer. Nestas intervenções estão várias estruturas: um pequeno cais flutuante em madeira para uma embarcação não motorizada que permitirá visitar e monitorizar a zona húmida, um observatório de aves, uma ponte por cima da barrinha com 38 metros de comprimento, três pontes curvas com 13,5 metros de comprimento, percursos mistos, dois pórticos, três parques de estacionamento e mobiliário urbano. O investimento rondará os 2,6 milhões de euros.

No início da semana passada, o conselho de administração da Polis Ria de Aveiro aprovou, por unanimidade, o lançamento do concurso público para a empreitada de requalificação, que deverá começar depois da época balnear e estar no terreno durante nove meses. O desassoreamento está garantido nesta intervenção e envolverá a dragagem de sedimentos no corpo central e nas margens da barrinha. As areias que dali sairão irão alimentar as praias de Esmoriz e de Paramos. A recuperação da vegetação dunar também faz parte dos planos. Haverá painéis informativos no passadiço de acesso às praias para que os visitantes evitem aceder ao cordão dunar fora dos caminhos. Há muito para fazer. Um observatório de aves, controlar plantas invasoras – nomeadamente acácias, chorão e erva-das-pampas –, requalificar as margens, plantar várias espécies para recuperar a vegetação natural. A rede de percursos está desenhada de forma a articular-se com a rede municipal de ciclovias de Esmoriz e de Paramos e com a estação de caminhos-de-ferro de Esmoriz.

A remar para o mesmo lado
O Movimento Cívico Pró-Barrinha conhece bem esta história e há mais de 15 anos que não deixa adormecer o assunto. Chegou a reunir 6.000 assinaturas para que o tema fosse analisado na Assembleia da República. Os anos passaram e Arménio Moreira, líder do movimento, acredita agora que a requalificação da barrinha vai mesmo para a frente e que a ponte descrita por Júlio Dinis no livro O Canto das Sereias voltará a atravessar a zona lagunar. Os pegões ainda lá estão e há quem não esqueça o tempo dos barcos a remos que passeavam na lagoa. Arménio Moreira insiste em vários aspectos. “É importante que façam imediatamente a ponte, os respectivos passadiços e, sobretudo, que eliminem as fontes poluidoras”, refere.

A poluição já não é tão intensa – o concelho vizinho de Santa Maria da Feira investiu no saneamento básico, a Estação de Tratamento de Águas Residuais de Esmoriz/Cortegaça foi encerrada -, mas o responsável garante que ainda há rios e ribeiras que, por vezes, desaguam na barrinha com líquidos estranhos. “A ribeira de Rio Maior continua a trazer muita poluição e as autoridades não têm agido contra este atentado ambiental e atentado à saúde pública”, avisa. O passado está lá atrás, mas não se esquece. “Chegaram a prometer que despoluíam a barrinha em dois anos e nem sequer fizeram a candidatura a Bruxelas”, recorda Arménio Moreira.

Há cerca de dois anos, a Junta de Freguesia de Esmoriz lançou um ultimato ao Governo. Ou eram apresentadas medidas urgentes, datas certas para concretizar intervenções, e sinais que a barrinha seria despoluída, ou então a autarquia avançava para tribunal. “O assunto da barrinha está num ponto sem retorno, chegou o tempo de acabar com a conversa barata”, dizia, na altura, António Bebiano, presidente da Junta de Esmoriz, que trazia à tona os prejuízos para os cidadãos, para o meio ambiente, para os turistas e para a qualidade de vida da cidade. O projecto de requalificação foi entretanto colocado em cima da mesa e Esmoriz não bateu à porta da justiça. Neste momento, António Bebiano supõe que não haverá surpresas e que a intervenção avançará este ano. “As nossas expectativas são que os trabalhos avancem depois do Verão”, refere.

Salvador Malheiro, presidente da Câmara de Ovar, acredita que faltará pouco para que a barrinha recupere o brilho do passado, mas considera mais conveniente que as obras avancem depois da época balnear de forma a não perturbar esse período e até porque haverá condutas a passar pela praia. “Nunca houve uma pressão tão grande para que a obra se concretize e estamos no bom caminho. Nunca estivemos tão próximos de chegar a esse ponto de recuperarmos um ex-líbris dos anos 60 e 70”. O autarca está satisfeito com os planos e garante que a grande parte do trabalho de despoluição está feito, nomeadamente pela intervenção da Simria – Saneamento Integrado dos Municípios da Ria. “Será feito o desassoreamento, a barrinha terá passadiços à volta, áreas de lazer, será quase um parque ambiental”, refere.

Espinho também tem uma palavra a dizer. Para este projecto, a câmara estabeleceu um protocolo com a Polis da Ria de Aveiro, da qual não faz parte. “É um momento absolutamente decisivo para a valorização ambiental da barrinha. Desta vez, estão reunidas todas as vontades e condições para que se concretize este projecto”, afirma Pinto Moreira, presidente da câmara espinhense. Está confiante que a lagoa de Paramos respirará melhor e que poderá ser usufruída pela população depois de limpa. Espinho está empenhado em preservar o ecossistema da zona envolvente da lagoa e já tem intervenções no terreno. A defesa longitudinal aderente na praia de Paramos e a reposição do cordão dunar desde o bairro piscatório de Silvalde até à lagoa ajudarão a proteger a orla costeira e, ao mesmo tempo, a cuidar do ecossistema lagunar e área ao redor.  

Travar a erosão costeira
Em Setembro do ano passado, foram recolhidas 46 amostras de sedimentos em 12 estações de amostragem distribuídas ao longo da barrinha que será alvo de dragagem. Ao nível textural, as amostras de sedimentos apresentam maioritariamente a classificação arenoso. Em relação ao grau de contaminação dos sedimentos, constatou-se que 43 amostras de sedimentos correspondiam a material dragado limpo que poderá ser depositado, sem normas restritivas, no meio aquático, reposto em locais sujeitos a erosão ou utilizado para alimentação de praias. As restantes três amostras correspondem a material dragado com contaminação vestigiária, o que significa que pode ser imerso no meio aquático, mas tendo em atenção as características do meio receptor. “Concluiu-se que o material dragado poderia ter como destino o enchimento de praias e a deposição no mar, contribuindo deste modo como medida de mitigação dos efeitos da erosão costeira que se têm feito sentir com particular relevância no trecho do litoral onde se insere a barrinha”, lê-se no projecto de requalificação.

 

 

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