Ser padrinho de uma cerejeira é voltar sempre ao Fundão

A Câmara do Fundão está a apostar forte no cartaz turístico Cerejeiras em Flor. Há passeios de balão e de comboio e a partir de agora vai ser possível apadrinhar uma cerejeira. Uma forma de fazer com que os visitantes voltem todos os anos à região – pelo menos para apanhar as suas cerejas.

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Uma coisa é viajar até ao Fundão para ver as cerejeiras em flor na época delas – que acontece pelos finais de Março, inícios de Abril. Outra coisa é voltar todos os anos para se visitar uma cerejeira especial. Foi nisto que pensou a Câmara do Fundão quando decidiu lançar um programa de apadrinhamento das suas cerejeiras.

“Acreditamos que a componente da educação agrícola é muito importante”, diz o presidente da Câmara, Paulo Fernandes. “As pessoas devem valorizar o trabalho agrícola, que é a base de tudo. Se não houvesse produtores dedicados a isto não teríamos a fruta. E é importante a experiência de perceber como é que uma árvore se desenvolve, quais são os seus ciclos.”

Daí que, depois de alguns anos de trabalho para valorizar a marca Cereja do Fundão, conseguindo um melhor preço para os agricultores que a cultivam e criando toda uma linha de produtos a ela ligados (do Pastel de Cereja ao recentemente lançado, numa edição limitada, Compal de Cereja do Fundão, passando pelos bombons de cereja), a aposta seja agora na vertente turística. E, por esse lado, a região beneficia de um importante trunfo, para além do fruto: a flor da cerejeira.

No ano passado já tinha havido uma primeira experiência para sobrevoar em balão a paisagem das cerejeiras em flor. Mas só este ano é que se conseguiu organizar mais voos. E é precisamente por aí que começa o dia do apadrinhamento das cerejeiras para um grupo de jornalistas convidados para a apresentação desta iniciativa.

São sete da manhã, está frio lá fora, o sol está a tentar aparecer, e no hall do hotel um grupo de pessoas ensonadas, agarradas a chávenas de café, ouve a notícia mais temida: parece que está vento e, se calhar, não vai ser possível, subir no balão. Ninguém quer acreditar e há já quem pense voltar a dormir. Mas é preciso manter a esperança e alguns minutos depois o responsável da empresa dos voos em balão de ar quente está de regresso com novidades. O sol apareceu, o vento acalmou e podemos partir.

A operação de montar um balão é complexa e demora algum tempo. Assistimos e tentamos dar uma ajuda. As cestas já estão no chão mas é preciso insuflar o balão, primeiro com uma ventoinha que lança ar frio para o interior e só depois com o queimador, que vai queimar as partículas de ar frio. Seguramos nas pontas do balão para facilitar a entrada do ar, enquanto ouvimos as explicações. Se, na aterragem, houver vento, vai ser preciso agarrar as pegas que existem no interior do cesto e dobrar os joelhos.

Depois desta descrição há uma desistência, mas o resto do grupo mantém-se firme. O nosso balão de sete lugares vai ser pilotado por João Henriques, um dos pilotos de balões de ar quente com mais experiência em Portugal – aliás, um dos pioneiros, conta-nos depois, já no ar. Aprendeu com um inglês que foi o primeiro a fazer voos em Portugal e desde então tem voado em vários locais do mundo. Recentemente esteve a trabalhar na Capadócia, mas entretanto decidiu voltar para Portugal.

A descolagem é suave e o chão começa a afastar-se. Olhamos para cima e o balão que partiu primeiro já lá vai, bem alto. O terceiro balão está a arrancar agora, abaixo de nós. Os pilotos vão comunicando por walkie-talkies para decidir a rota. Os mais cépticos entre o grupo de viajantes-voadores começam finalmente a descontrair. “Percebem agora porque é que os pássaros cantam? Porque voam”, diz João Rodrigues.

Vamos pelos ares, levados pelas suaves correntes de vento. Não conseguimos aproximar-nos tanto da Serra da Gardunha como gostaríamos para sobrevoar as zonas onde há mais cerejais, mas vamos sempre vendo cerejeiras nesta terra onde em cada quintal existe uma. O voo dura cerca de uma hora e quando já começamos a preparar-nos psicologicamente para a aterragem e a tentar recordar as instruções, João Rodrigues faz um touch down – pousa e volta a levantar – só para nos deixar mais descansados. E, de facto, mal sentimos o contacto com o chão. Vamo-nos aproximando muito lentamente e, incrédulos, pousamos como uma pluma.

No final, há a abertura ritual de uma garrafa de champanhe – João Rodrigues faz tudo a rigor, com um sabre de ar japonês mas que, confessa, foi comprado numa feira, o que não lhe tira qualidades, já que a rolha e a parte de cima da garrafa voam ao primeiro golpe. “Que os momentos mais difíceis da vossa vida sejam tão fáceis como este voo”, despede-se, sorrindo. Mais tarde, por email, recebemos o percurso do nosso voo, uma espécie de Z nos céus do Fundão, e a informação de que atingimos os 950 metros de altura.

Vimos poucas cerejeiras a partir do ar, mas vamos ver muitas agora que regressámos ao chão. Do cartaz turístico das Cerejeiras em Flor faz também parte um passeio de comboio, que atravessa a localidade de Alcongosta – já meio decorada, numa promessa da Festa da Cereja, que acontece entre 9 e 12 de Junho – e nos leva até aos cerejais. Aí sim, não faltam flores, num mar de árvores cobertas de branco, como se tivesse acabado de nevar.

Existem actualmente 2600 hectares de área plantada com cerejal, explica o presidente da Câmara. E, segundo Paulo Fernandes, está a haver um aumento de 10 por cento ao ano, o que, diz, já é um reflexo dos esforços para fazer deste negócio um “comércio justo” com um bom preço pago ao produtor. “É um momento explosivo do ponto de vista do investimento na cereja. É natural que comece a serenar.”

Uma das grandes vantagens da região, sublinha, é o facto de a cereja aqui surgir muito cedo – muito mais cedo que noutros pontos do mundo. Essa primeira cereja, na qual Portugal é “muito competitivo”, é vendida a preços “muito interessantes”, podendo atingir os 13 ou 14 euros por quilo pagos ao produtor.

Existem cerca de 350 produtores, com uma produção que atinge as 7000 toneladas, e da qual apenas 15 por cento vai para exportação (um dos mercados que começa agora a ser trabalhado é o da China, onde, até agora, só havia exportação para Macau). E há, continua Paulo Fernandes “uma novidade absoluta” que é o aparecimento de investidores que, não sendo agricultores, vêem na cereja uma área em que estão dispostos a apostar. “Dado o valor que hoje se consegue, é já um investimento importante, que atrai capitais diferentes, portugueses sobretudo, mas também ingleses, sul-africanos e brasileiros”.

Falta agora reforçar o lado turístico – 90 mil dormidas por ano (cerca de 700 camas, entre turismo rural a hoteleiro) e menos de 8 por cento de visitantes estrangeiros. “O calendário agrícola estrutura muito a nossa oferta”, diz o autarca. “A paisagem aqui exprime bem a diferença entre a Primavera, o Outono, o Inverno.” Daí que haja o período dos Sabores da Cereja (3 de Junho a 3 de Julho), os Sabores da Transumância (de 10 a 18 de Setembro), os Sabores do Cogumelo (de 11 a 20 de Novembro) e a Tibórnia (2 a 18 de Dezembro). 

O objectivo é aproveitar esse calendário para conseguir “uma distribuição mais homogénea de turistas ao longo do ano” e, sobretudo, aumentar a média de noites passadas na região. “Queremos passar das 1,6 noites para mais de duas.”

É aí que se enquadra a ideia do apadrinhamento das cerejeiras. Apesar de tudo ter começado com um grupo de jornalistas convidados, qualquer pessoa que o deseje pode apadrinhar uma cerejeira no Fundão. O processo é simples: a árvore está pronta (as nossas tinham sido mantidas em frio porque foram plantadas já tardiamente, mas são da variedade Symphony, que é já por si tardia), é preciso apenas abrir um buraco na terra, colocá-la lá, fechar e pôr ao lado uma placa com o nome do padrinho ou madrinha. Se o apadrinhamento acontecer fora da época de plantio, pode-se escolher uma árvore já existente.

As obrigações? Manter o interesse na afilhada e ir visitá-la “pelo menos uma vez por ano”. A manutenção durante o resto do tempo fica a cargo da Junta de Freguesia de Alcongosta, em cujos terrenos estão plantadas estas novas cerejeiras. Até que a sua cerejeira dê fruto, o padrinho ou madrinha tem direito, durante a época das cerejas, a uma caixa de dois quilos por ano.

A partir do momento em que a cerejeira dê frutos, a apanha das cerejas é da responsabilidade de quem apadrinhou – uma forma de ter os visitantes todos os anos de novo no Fundão. E, precisamente a pensar nisso, vai haver um voucher de 10 por cento de desconto em restaurantes e hotéis da região. 

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