Na última reunião com Costa, Salgado volta a recuar em iniciativa polémica

O executivo de António Costa aprovou uma proposta que ia beneficiar alguns promotores imobiliários. Face à polémica desencadeada, o texto já vai na terceira versão.

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Manuel Salgado foi obrigado a clarificar a proposta inicial e já vai na terceira versão Enric Vives-Rubio

Ainda não foi nesta quarta-feira que a Câmara de Lisboa discutiu as alterações à proposta inicial sobre o chamado Factor F, subscrita pelo vereador do Urbanismo Manuel Salgado e fortemente criticada pela oposição e pela Assembleia Municipal. A reformulação das regras de cálculo das compensações devidas ao município pelos promotores imobiliários, em troca da cedência obrigatória de terrenos, estava na ordem de trabalhos da última reunião presidida por António Costa, mas Salgado retirou o documento e distribuiu aos vereadores uma terceira versão, com novas alterações. A discussão foi adiada.

O executivo foi acusado de querer beneficiar, com a proposta de Salgado, um conjunto de grandes promotores imobiliários, ente os quais empresas ligadas ao Grupo Espírito Santo. Na reunião de 24 de Março da Assembleia Municipal, os deputados do PSD chegaram mesmo a ameaçar enviar a proposta para a Procuradoria-Geral da República. O então vice-presidente da autarquia, Fernando Medina, ordenou então a retirada do documento com vista à sua “clarificação”.

Nesta quarta-feira seria discutida e votada uma segunda versão, com pequenas diferenças não só no texto da proposta mas também na sua fundamentação técnica.

Inicialmente estava prevista a substituição do factor 0,5 pelo factor 0,3 na fórmula de cálculo - o que implicava uma redução das compensações a pagar que em alguns empreendimentos atingia milhões de euros -, nos casos em que “se preconize a reconversão urbanística programada de espaços urbanos cujo uso originário se tenha tornado desadequado e obsoleto”. No corpo da proposta não se dizia a que planos em concreto seria esse factor aplicado, mas num anexo havia uma referência expressa a cinco áreas da cidade: Alcântara, Matinha, Boavista, Parque Mayer e Amoreiras. Foi essa referência limitativa que esteve na base da polémica.

Na versão que iria ser discutida nesta quarta-feira Salgado mudou o texto, tornando-o mais abrangente e retirando aquela referência no anexo. Nos termos desta segunda versão, o factor 0,3 passaria a ser aplicado quando a operação urbanística estivesse prevista para áreas de reabilitação urbana e quando ocorresse "no âmbito do Plano de Urbanização ou Plano de Pormenor ou através da delimitação de Unidades de Execução, ou ainda através de operações de loteamento ou demais operações urbanísticas com impacte relevante e ou semelhante a uma operação de loteamento”.

No entanto, mesmo antes de ser discutido, o documento foi retirado. Segundo o vereador do PCP Carlos Moura foi então distribuída uma terceira versão que introduz novas alterações.

A proposta agora em apreciação elimina a possibilidade de haver compensações, em dinheiro ou em espécies, quando a operação urbanística ocorra em bairros ou zonas de intervenção prioritária (BIP/ZIP). Mantém-se o factor 0,1 para investimentos imobiliários em áreas de génese ilegal ou que integrem “operações de reabilitação urbana sistemática”. A nova proposta estipula um factor de 0,3 quando a operação urbanística ocorra em áreas de reabilitação urbana e recupera o factor 0,5 destinado às restantes situações, segundo o vereador comunista.

“Agora temos que analisar isto com cuidado e ver de que zonas exactamente é que se está a falar [no caso dos factores 0,3 e 0,5]”, afirmou Carlos Moura ao PÚBLICO, observando que “aparentemente há uma melhoria e maior clareza em relação à proposta inicial”.

Na reunião foi ainda aprovada, apesar dos votos contra do PSD, CDS-PP e PCP, uma reorganização dos serviços municipais, que permite a separação da Direcção Municipal de Ambiente Urbano em duas direcções municipais, uma de Ambiente, Estrutura Verde e Energia e outra de Higiene Urbana. Esta última, encarregue da recolha e remoção de resíduos, irá “transitar integralmente para os futuros serviços municipalizados", de forma a reforçar a "capacidade operacional do município em matéria de Higiene Urbana", refere o documento assinado por Fernando Medina e pela vereadora da Economia, Graça Fonseca.

“É uma oportunidade perdida”, lamentou o vereador do PSD António Prôa, considerando que os serviços municipalizados deveriam ser criados imediatamente e que esta reforma fica “muito aquém das expectativas”. “António Costa não o fez para adiar a provável manifestação dos funcionários”, afirmou, sublinhando que a reorganização “vem atrasada”, pois devia ter ocorrido logo após a descentralização de competências para as juntas de freguesia.

A proposta, que ainda há-de ser votada na Assembleia Municipal, prevê também a criação da Direcção Municipal do Património para "optimizar e centralizar" a gestão do património do município. Para o vereador do CDS-PP, João Gonçalves Pereira, esta medida já vem tarde, "num momento em que a câmara tem cada vez menos património". "Espero que se faça de uma vez por todas o inventário, porque actualmente já só temos estimativas", afirmou.

Carlos Moura, por seu lado, teme que a reorganização se traduza numa "maior desvalorização dos serviços camarários" e na "externalização" de serviços como a jardinagem.

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