Ruído muito acima dos limites legais em Lisboa

Medições da Quercus revelam dados preocupantes, sobretudo no centro da capital. A associação promete apresentar queixa à Comissão Europeia se até Março os municípios continuarem a não cumprir a lei.

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Avenida Fontes Pereira de Melo é o ponto mais crítico dos cinco analisados pela Quercus Joana Freitas/Arquivo

As avenidas Fontes Pereira de Melo e do Brasil, em Lisboa, são os dois pontos mais negros na cidade em termos de exposição ao ruído de tráfego, com níveis muito próximos do limiar de dor para o ouvido humano, segundo as medições feitas pela Quercus. Os valores, diz a associação, são preocupantes e reflectem o incumprimento dos municípios neste domínio.

“Estamos a pôr em causa a saúde das pessoas”, critica Mafalda Sousa, da Quercus. No último trimestre do ano passado esta associação mediu o ruído em cinco pontos mais críticos da cidade de Lisboa – avenida Fontes Pereira de Melo, avenida do Brasil, Entrecampos, Braço de Prata e Telheiras/Segunda Circular – e concluiu que, em todos eles, a média de medições ultrapassa os limites legais, quer diurnos quer nocturnos.

O local onde os níveis estão mais próximos do limiar da dor para o ouvido, que é de 120 decibéis (dB), é a avenida Fontes Pereira de Melo, devido ao tráfego rodoviário, tendo chegado ao máximo de 106,2 dB. Na avenida do Brasil, onde se combina o ruído rodoviário com o aeroportuário, o pico foi de 101,3 dB.

Tanto no período diurno, em que os níveis são por norma mais altos, quanto no período nocturno, a zona de Telheiras/Segunda Circular foi onde se registaram os valores médios mais altos – 82,3 dB de dia, quando o máximo legal é de 65 dB, e 75,8 dB à noite, quando o máximo é 55 dB.

A responsabilidade, diz a Quercus, é partilhada entre a Câmara de Lisboa e as empresas que gerem as infraestruturas de transportes. Para ambas, “o ruído tem sido um aspecto muito esquecido da política ambiental”, critica Mafalda Sousa.

O problema, refere, está no incumprimento dos municípios no que diz respeito à legislação nacional e comunitária sobre ruído. Segundo os dados mais recentes fornecidos pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), dos 279 municípios de Portugal continental apenas 180 entregaram os seus mapas de ruído, com o diagnóstico da situação, e destes só 120 actualizaram os documentos segundo a nova legislação.

Mais grave ainda, nota Mafalda Sousa, é que apenas um município – a Quercus não sabe qual –  entregou na APA um plano de redução de ruído, com medidas para minimizar o problema. Ou seja, as autarquias que identificaram os problemas não têm planos para os resolver.

Além da lei nacional, o ruído é abrangido por uma directiva comunitária, de 2002, que obriga os Estados-membros a elaborarem e aprovarem mapas estratégicos de ruído para as zonas com maior densidade populacional (as chamadas "aglomerações"), para os grandes aeroportos, estradas e ferrovias de tráfego elevado. Estes têm de possuir também um plano de acção.

Numa primeira fase, Lisboa era o único município abrangido por esta obrigatoriedade, que cumpriu, mas tem ainda em falta a elaboração do plano de acção. O mesmo acontece com o Aeroporto de Lisboa, cujo plano está em reformulação.

Numa segunda fase, a directiva abrangeu os municípios do Porto, Matosinhos, Amadora, Oeiras e Odivelas, que segundo a Quercus ainda não entregaram os seus mapas estratégicos – a data limite para entrega era Março de 2012. O Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, está também em incumprimento, não tendo ainda submetido o seu mapa estratégico à APA. A data limite para elaboração e envio dos mapas estratégicos relativos a rodovias, ferrovias e grandes aeroportos terminou em Fevereiro de 2012, com aprovação até Junho de 2012, mas segundo a Quercus apenas foram entregues à APA dois mapas relativos a rodovias e ferrovias.

Queixa na Comissão Europeia
A Quercus pondera apresentar uma queixa à Comissão Europeia se o incumprimento se mantiver até Março de 2013 – um ano após a data prevista para a entrega dos documentos.

Em Novembro, um inquérito elaborado pelo provedor de Justiça, Alfredo de Sousa, concluiu que a maioria dos municípios não dispõe de meios humanos e técnicos para realizar medições de ruído e para fiscalizar o incumprimento. O provedor recomendava, na altura, a aprovação de legislação mais apertada para a fiscalização mas desde então nada mudou.

A falta de recursos “é uma das razões para o atraso”, admite Mafalda Sousa. Mas não pode ser desculpa. “Estamos a pôr em causa a saúde das pessoas”, frisa a ambientalista.

Num inquérito feito a 50 pessoas, a Quercus concluiu que a maioria não relaciona o excesso de ruído com os problemas de saúde, e muito menos com a surdez temporária. Os inquiridos com residência ou local de trabalho no concelho de Lisboa são os que mais se queixam do ruído provocado pelo tráfego rodoviário e do aeroporto, uma queixa que diminui nos concelhos limítrofes da cidade.

De qualquer forma, apenas 6% das pessoas consideram que o ruído afecta extremamente a sua saúde. Mas há estudos europeus que apontam a ocorrência anual de 50 mil mortes prematuras devido a ataques cardíacos e 245 mil casos de doenças cardiovasculares na Europa relacionados directamente com a exposição ao ruído, sobretudo de tráfego.

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