Regresso dos comboios de passageiros à Linha do Leste à espera de estudo do Governo

Assembleia da República aprovou o restabelecimento do serviço de passageiros na linha, mas Governo diz que prefere estudar a sua rentabilidade. Linha assegurava algum serviço inter-regional nas ligações à linha do Norte e a Badajoz.

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A Linha do Leste liga Abrantes a Elvas/Badajoz Enric Vives-Rubio

Uma resolução da Assembleia da República – mesmo que aprovada por unanimidade – não significa necessariamente que o Governo a execute. É o caso da resolução aprovada por todos os partidos, em Janeiro passado, para a reposição do serviço ferroviário de passageiros na linha do Leste, entre Abrantes e Elvas/Badajoz, que tinha sido suspensa pelo governo anterior no dia 1 de Janeiro de 2012.

A resolução diz que o governo deveria apresentar até 25 de Março de 2016 um diagnóstico em relação à situação da Linha do Leste que incluísse medidas de melhoramento da infra-estrutura, um calendário das intervenções a realizar “e uma proposta de prazos para repor o serviço de passageiros a funcionar, numa óptica de serviço público, em todo o percurso da linha”.

Mas um mês depois da data para apresentação desse estudo, o mesmo ainda nem sequer foi começado. Fonte oficial do Ministério das Infraestruturas e Planeamento disse ao PÚBLICO que o estudo deverá ser iniciado em breve e que o governo tem dúvidas sobre a viabilidade daquele serviço em toda a extensão da linha.

Por parte da CP, apesar da ordem de Sérgio Monteiro (ex-secretário de Estado dos Transportes) para fechar a linha ao serviço de passageiros – que foi executada em Janeiro de 2012 – a empresa tentou uma experiência parcial de reabertura, em Setembro do ano passado, através de um protocolo com municípios e outras entidades locais: aos fins-de-semana os comboios passaram a ir a Portalegre, sendo que a Infraestruturas de Portugal (ex-Refer) prescindia da cobrança de taxa de uso (portagem ferroviária) tendo em contar o carácter experimental desta ligação.

Desde então a procura não vai de vento em popa. Segundo a CP, foram realizados 108 comboios entre o Entroncamento e Portalegre desde Setembro passado a 31 de Março, nos quais viajaram 2626 passageiros. A procura média por comboio é de 24 passageiros e a taxa de ocupação é de 18%.

A CP disse ainda ao PÚBLICO que “no que reporta à resolução da Assembleia da República, a empresa não recebeu orientações adicionais” da tutela, mas que vai manter o serviço experimental até Portalegre.

Este é efectuado pelo material circulante a diesel mais velho que a CP tem ao seu serviço: uma automotora Allan com mais de 60 anos e que foi modernizada nos anos 90. Apesar disso, a relação é competitiva face à rodovia nas ligações a Norte. O comboio demora pouco mais de quatro horas entre Portalegre e o Porto, enquanto os autocarros demoram entre cinco a seis horas. O preço é o mesmo: 23 euros.

Quando o serviço foi encerrado, eram também automotoras deste tipo que asseguravam a ligação entre Entroncamento e Badajoz. A procura era escassa porque o Alto Alentejo é uma região desertificada e algumas estações ficam longe das localidades que as servem, mas assegurava algum serviço inter-regional nas ligações à linha do Norte e a Badajoz. Era também utilizada por estudantes espanhóis de Erasmus do Porto, Aveiro e Coimbra que seguiam por esta via para a Extremadura e Andaluzia.

Desde então, apesar de encerrada ao serviço de passageiros, nela circulam diariamente alguns comboios de mercadorias para Espanha.

Uma linha em defesa do interior

Helena Freitas, coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior defende a reabertura de algumas linhas férreas como forma de combater a desfragmentação de algumas regiões e, em especial, a deste eixo horizontal Entroncamento – Abrantes – Portalegre – Elvas/Badajoz. “É um eixo importante na perspectiva de criar rede e ligações ao território e até pela ligação transfronteiriça que pode proporcionar”, disse ao PÚBLICO.

A também professora de Ecologia da Universidade de Coimbra diz que o restabelecimento do serviço de passageiros na linha do Leste teria uma perspectiva “claramente social porque é um trajecto que não responde a uma área em grande expansão, mas que se justifica do ponto de vista social e de criação de rede”.

Apesar de a CP não receber quaisquer indemnizações compensatórias por parte do governo para assegurar linhas de baixa rentabilidade, Helena Freitas entende que devem ser encontrados mecanismos para que este serviço público seja assegurado, tais como são os serviços de saúde e de educação, que não são igualmente rentáveis, mas que são fundamentais para a estabilização dos territórios. De resto, acrescenta, a longo prazo estes serviços podem ter resultados positivos se, paralelamente, forem implementadas outras medidas de valorização do interior.

A responsável defende também a reabertura do troço Pocinho – Barca de Alva, “mas neste caso numa perspectiva mais turística e cultural”, articulada com a navegabilidade do Douro, o Centro de Alto Rendimento de Remo no Pocinho e o museu de Foz Côa. “É uma ligação curta que a vale a pena e que não tem um custo elevado”, diz.

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