Provedor considera nulas decisões da câmara sobre quarteirão na Madragoa

Aprovação do projecto que prevê a demolição do quarteirão dos Marianos e a construção de um condomínio naquela zona da Madragoa viola o PDM. Provedor recomenda à Câmara que volte atrás.

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Os restos da Fábrica Constância estão no interior do quarteirão dos Marianos Daniel Rocha

São arrasadoras para a Câmara de Lisboa, e em particular para o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, as conclusões a que o Provedor de Justica chegou, quanto à legalidade das decisões que viabilizaram a construção de um condomínio habitacional no espaço do antigo Convento dos Marianos, junto à Rua das Janelas Verdes, na Madragoa. Para José de Faria Costa não restam dúvidas: é tudo ilegal.

O projecto de arquitectura que contempla a construção de meia centena de habitações numa área com cerca de 11 mil m2, delimitada pela Rua das Janelas Verdes e pela Rua do Olival, foi aprovado em Agosto de 2013. O mesmo projecto prevê a demolição de vários edificios, entre os quais  as instalações arruinadas em que funcionou, até finais do século XX, a antiga Fábrica de Cerâmica Constância. 

Condenado aos escombros foi também o edifício com os números 60 a 68 da Rua da Janelas Verdes, ainda hoje ocupado e em bom estado de conservação, que, tal como a antiga fábrica, situada por trás, está inscrito na Carta Municipal do Património, que integra o Plano Director Municipal (PDM). A sua demolição, de acordo com o Provedor de Justiça, é um dos vários aspectos em que os regulamentos camarários  são violados pelas decisões que conduziram à aprovação do projecto.

Isto porque — defende José de Faria Costa na recomendação que dirigiu ao presidente da câmara, Fernando Medina, no dia 15 de Junho — não se verificam os requisitos impostos pelo PDM e pelo Plano da Madragoa para que seja possível demolir edifícios inscritos na carta do património.

Para ilustrar a forma como a câmara interpreta, “a seu bel-prazer”, os  dispositivos legais relativos áquilo que se pode ou não fazer no local, Faria Costa escreve que o chefe da Divisão de Loteamentos reconhece, numa informação técnica, a inexistência de enquadramento legal para ser aprovada a demolição do edifício. Mas apesar disso, o mesmo chefe de divisão conclui assim sua apreciação do projecto: “Entende-se, salvo melhor opinião, de aceitar a demolição proposta”.

Daí que a recomendação do provedor saliente: “Parece, aliás, que a câmara municipal aplica e desaplica, alternadamente, as disposições do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Madragoa, da versão inicial do Plano Director Municipal e do novo PDM sem que se alcance o critério e fundamentação”.

Depois de uma “aturada apreciação” do caso e de ponderadas as explicações prestadas pelos serviços dirigidos por Manuel Salgado, Faria Costa não hesita em classificar as decisões camarárias como ilegais e nulas. A fundamentar esse entendimento, diz que a autarquia recorreu, em 2013, a uma versão do PDM que já não estava em vigor desde o ano anterior para determinar as áreas de estacionamento e as áreas a construir pelo promotor [um fundo de investimento gerido por José António José de Mello].

Já o cálculo das áreas a ceder para o domínio público foram determinadas com base na actual versão do PDM, em vigor desde 2012. Por isso, Faria Costa recomenda a Fernando Medina que declare a nulidade das decisões em causa, devendo, nos termos da lei e no prazo de 60 dias, informá-lo se acata tal recomendação.
O projecto do quarteirão dos Marianos tem sido objecto de forte contestação dos moradores e proprietários vizinhos, que já dirigiram três petições à assembleia municipal contra a sua aprovação.

Uma delas originou uma recomendação à câmara, aprovada por unanimidade, e visava, sobretudo, a conservação da memória da Fábrica Constância. A última está ainda em apreciação na comissão de Urbanismo da assembleia.  O presidente dessa comissão, Victor Gonçalves (PSD), elaborou uma proposta de recomendação, acerca da mesma petição, mas o documento foi chumbado esta quarta-feira pelos representantes dos PS. 

No seu relatório, Victor Gonçalves propunha que a assembleia recomendasse à câmara  a redução do número de pisos de alguns dos edifícios e outras medidas que iam ao encontro das reivindicações dos peticionários e das posições defendidas pelo presidente da Junta de Freguesia da Estrela, Luis Newton (PSD). Victor Gonçalves disse ontem ao PÚBLICO que, face à recomendação do provedor, a discussão da petição deixa de fazer sentido.

Luis Newton, por sua vez,  manifestou-se agradado com a iniciativado provedor. “Estou satisfeito, mas também frustrado por não estar a ser encontrada uma solução para um espaço que se encontra muito degradado”, afirmou.

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