Promotores de hotel na Av. 24 de Julho contestam "bloqueio" da Câmara de Lisboa

O município decidiu adiar uma decisão sobre o Pedido de Informação Prévia apresentado pelos investidores com base em argumentos de que estes se queixam só agora terem sido informados, apesar de terem iniciado diligências para saber da viabilidade do projecto ainda em 2013.

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Leonor Gama e Luís Santos querem abrir um “pequeno hotel de charme” no número 108 Mara Carvalho

A Câmara de Lisboa decidiu adiar por tempo indeterminado uma decisão sobre um projecto de construção de um hotel na Avenida 24 de Julho, alegando que o edifício em causa está abrangido por um plano de pormenor em elaboração, além de se inserir “na frente urbana” para a qual está em estudo a criação de um acesso à área sobranceira. Os promotores não se conformam com este “bloqueio”, sublinhando que o município invocou pela primeira vez estes argumentos mais de um ano depois de terem entregue o Pedido de Informação Prévia com vista à concretização do projecto.

O caso remonta a 2013, quando Leonor Gama e Luís Santos tomaram a decisão de abandonar os seus postos de trabalho, no sector da banca, para se dedicarem àquela que era uma paixão antiga: o turismo. “Decidimos não fazer as coisas à maluca. Fizemos tudo com calma”, diz Leonor, explicando que antes de investirem a indemnização a que tiveram direito na compra do número 108 da Avenida 24 de Julho fizeram questão de se informar sobre se era possível construir no local o “pequeno hotel de charme” que tinham idealizado.  

“A partir de Novembro de 2013 começámos a contactar a câmara para perceber o que poderíamos fazer ali. Em Janeiro de 2014 pedimos uma vistoria ao prédio e logo a seguir pusemos o Pedido de Informação Prévia. Tivemos reuniões com técnicos e disseram-nos que, numa primeira análise, em princípio não havia problema”, conta a promotora do projecto. “Na sequência das conversações” que mantiveram com a câmara, os dois sócios deram os passos seguintes: adquiriram o imóvel, em Abril, e negociaram com os inquilinos a sua saída.  

“Depois da compra intensificámos a relação com a câmara”, diz Leonor Gama, acrescentando que foram também realizadas “conversações” com a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e com o Turismo de Portugal, “para se conseguir encontrar um projecto que estivesse de acordo com o local”. Segundo a promotora do hotel, o processo foi avançando, com a introdução de “alterações” solicitadas pelas diferentes entidades, até se chegar a uma solução final, apresentada à autarquia em Dezembro de 2014.

Seguiram-se o “parecer favorável” do Turismo de Portugal, condicionado à resolução de uma questão relacionada com o estacionamento, e o parecer de “aprovação condicionada” da DGPC, que sujeita a um parecer técnico a abertura de caves e determina que os “remeximentos de subsolo” sejam objecto de “prévios trabalhos arqueológicos”.

Numa informação datada de Fevereiro de 2015, um técnico da Divisão de Projectos Estruturantes da câmara não levanta qualquer objecção de monta à “proposta arquitectónica” apresentada pelos requerentes, mas coloca à consideração superior a decisão a tomar relativamente a “uma desconformidade” com o Plano Director Municipal “no que diz respeito à profundidade da empena”.

O chefe da divisão concorda com esta apreciação e salienta mesmo, face aos pareceres da DGPC e do Turismo, que a "profundidade de empena" proposta é susceptível de ser aprovada. 

Logo a seguir na hierarquia municipal, o director do Departamento de Gestão Urbanística profere também um despacho de concordância, sublinhando que este foi um projecto “bastamente acompanhado pelos serviços bem como pela comissão DGPC/CML”.

Mas ao chegar ao director municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística surgem duas objecções, que Leonor Gama garante nunca terem sido mencionadas em qualquer conversa ou em alguma das cerca de 500 páginas que este processo camarário já tinha. Num despacho de 20 de Abril, Jorge Catarino Tavares, o director municipal, determina que “deverá aguardar-se a definição/decisão quanto à presente proposta”, invocando para tal duas justificações.

A primeira tem a ver com um até agora desconhecido Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana das Janelas Verdes, cuja “área de intervenção abrange o presente edifício”. Segundo o director municipal, “por decisão do sr. vereador Manuel Salgado foi iniciado o procedimento de elaboração” desse plano, “estando já concluídos os termos de referência que irão ser colocados em discussão pública" depois de serem obtidos os pareceres das entidades externas.

Como segunda justificação, Jorge Catarino Tavares alega que o número 108 da Avenida 24 de Julho “insere-se na frente urbana onde se está a estudar a localização de um acesso ao Jardim 9 de Abril”, espaço verde que fica ao lado do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA).

“Isto não é um não nem é um sim. É dizerem-nos que não têm nada contra o projecto mas que temos que esperar até ser necessário”, diz Leonor Gama, que considera que a suspensão “não é legítima” por se basear num plano e num estudo que não foram ainda formalizados. “Para um grande investidor não faz grande diferença esperar dois ou três anos mas o nosso subsídio de desemprego vai terminar no princípio do próximo ano. Temos urgência na decisão”, remata a antiga funcionária bancária.

O PÚBLICO perguntou à câmara em que data é que o vereador Manuel Salgado determinou que se iniciasse a elaboração do mencionado Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana das Janelas Verdes, mas não obteve resposta. No site do município está disponível um mapa, datado de 8 de Abril deste ano, com a localização dos planos de pormenor eficazes, em elaboração ou em alteração/revisão, no qual não há qualquer referência ao instrumento de ordenamento do território referido no despacho de Jorge Catarino Tavares.

Também sem resposta ficaram as perguntas sobre o “acesso ao Jardim 9 de Abril” mencionado pelo dirigente camarário, nomeadamente sobre se a construção do hotel interfere com a solução que a câmara está a estudar. Em Março de 2014, Manuel Salgado referiu-se numa conferência (em declarações citadas pela publicação online O Corvo) a “uma solução para resolver os problemas de acessibilidade” do MNAA, que segundo disse na ocasião “passa por criar-lhe um acesso a partir da Avenida 24 de Julho, demolindo dois edifícios”.

A esse respeito, Leonor, que recentemente expôs o seu caso na Assembleia Municipal de Lisboa na esperança de obter da câmara respostas sobre o que pode ser feito “de forma a desbloquear esta situação”, sublinha que ao lado do seu há vários prédios que estão devolutos e para os quais não há nenhum projecto em apreciação. Além disso, alega, “se a câmara estivesse interessada em comprar” o número 108 de Avenida 24 de Julho para construir um elevador “tinha exercido o direito de preferência em Abril de 2014”. 

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