Praia dos Aveiros, em Albufeira, vai ter cancela a barrar o acesso ao mar

Câmara perdeu processo que dá o direito a um promotor turístico de dizer-se “proprietário” da via que vai ter à praia. É mais uma tentativa de tornar privada uma praia pública.

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Apenas quem conhece a zona da praia dos Aveiros sabe do seu acesso pedonal livre FILIPE FARINHA/STILLS

Um empreendimento turístico, em Albufeira, adquiriu o direito a colocar uma cancela no caminho de acesso ao areal da praia dos Aveiros. À entrada do loteamento, no acesso ao mar, foi colocada uma faixa: “propriedade privada”. E, para que não restem dúvidas, o aviso é acompanhado de um sinal de “trânsito proibido” excepto a residentes e entidades oficiais. De acordo com a sentença, proferida pelo Tribunal de Albufeira no dia 12 de Novembro de 2013, já transitada em julgado, a via que sempre foi de livre utilização passou a ser “propriedade dos condóminos que compõem a propriedade horizontal do Lote 29 da Praia dos Aveiros”. A câmara não recorreu.

A tentativa de criar praias privadas no Algarve, privilegiando os clientes dos aldeamentos no acesso a um bem público, tem décadas. Nalguns casos, os promotores concretizam os objectivos, colocando cancelas, seguranças e câmaras de vigilância para afastar os forasteiros, noutros ficam-se pelas ameaças. A praia dos Aveiros é o exemplo mais recente. A concessionária do apoio de praia, Fernanda Viola, foi recentemente avisada por carta registada da “determinação absoluta” dos proprietários dos apartamentos, construídos a poucas dezenas de metros da crista da arriba, “em não mais permitir a devassa do seu espaço privado, designadamente a circulação através daquele caminho agora decidido em definitivo como sendo propriedade exclusiva dos condóminos do lote 29”. O caminho, diz a concessionária, “sempre foi público, pelo menos desde 1984” – altura em que o sogro obteve autorização para montar ali uma barraca de praia. “Como é que alguém pode agora reivindicar para si a propriedade de uma via pública?”, pergunta. 

A decisão judicial que condenou o município a reconhecer que a via é “parte comum do condomínio” transitou em julgado no dia 6 de Janeiro de 2014. A partir dessa data, declarou ao PÚBLICO o administrador do condomínio, Valter Contreiras, “é exigido o cumprimento da sentença, que não foi contestada pela câmara”. E, sublinhou, “quem diz que isto [o caminho] é propriedade privada é o tribunal”.

Os conflitos pelo espaço que uns dizem ser público, outros privado, existem há cerca de quatro anos. No auge da disputa, os donos dos apartamentos chegaram a afrontar o poder autárquico, colocando cancelas para impedir a circulação automóvel. A câmara retirou as barreiras. No final do ano passado, no período em que um executivo estava a sair e outro a entrar, ambos do PSD, o tribunal de primeira instância proferiu a sentença e não houve recurso.

A vereadora Ana Vidigal, advogada de formação, ao pedido de esclarecimento do PÚBLICO, através do seu gabinete de apoio, respondeu de forma lacónica. “O caso está a ser gerido pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), entidade que tem a responsabilidade da concessão das praias.”

“Apenas temos procurado mediar o conflito entre os condóminos e a autarquia”, respondeu, por seu lado, o director regional da APA, Sebastião Teixeira.

Da parte da autarquia o que foi feito, acrescentou a vereadora, “foi salvaguardar o acesso de viaturas de emergência à praia”, colocando para esse efeito a respectiva sinalética.

Ora, acontece que nem esse aspecto está garantido. O tribunal condenou a autarquia a “retirar a sinalização de trânsito que colocou no caminho do lote 29 da praia dos Aveiros”, informou a administração do empreendimento. No meio deste pingue-pongue, Fernanda Viola receia vir a perder clientela: “Na Páscoa, tivemos menos espanhóis – chegavam lá acima, viam um sinal [propriedade privada], voltavam para trás ”, justifica. Com efeito, existe um acesso pedonal, livre, mas só detectável para quem conhece a zona.

O município de Albufeira, de acordo com a sentença do Tribunal de Albufeira, foi ainda condenado a “repor as cancelas no sítio em que as mesmas se encontravam”, pagar as custas do processo e repavimentar o caminho. Mas o município terá ainda de se pronunciar sobre uma outra situação: neste empreendimento, construído há cerca de duas décadas por um promotor alemão, existe um talude com a altura de um prédio de três andares que pode vir a desabar. A memória da tragédia da praia Maria Luísa, aquando da queda de uma arriba, em 2009, que provocou a morte de cinco pessoas, ainda não se apagou. Neste empreendimento à beira-mar, o licenciamento do projecto de estabilização do talude está pendente da “expressa autorização” dos titulares dos lotes n.º 25 e 26, “os quais se recusaram sucessivamente a dar a sua autorização ao projecto de licenciamento”, lê-se na última acta da reunião do condomínio do lote 29.

Praia Maria Luísa: o perigo continua
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), antes da época balnear, procedeu a uma vistoria por toda a costa, mandando retirar as rochas que ameaçavam perigo directo para os banhistas. Porém, na praia Maria Luísa há novos sinais de preocupação. Quase à beira da arriba está marcado um percurso pedonal, com um corrimão de segurança até à praia dos Olhos d´Água, mas o Inverno passado pôs em evidência a insegurança que podem representar os passeios à beira-mar. A ameaça, contudo, não parece atemorizar quem construiu vivendas nesta zona – com relvados a prolongarem-se até à crista da falésia – e o som do bater das ondas a entrar pela casa dentro.

Dois ou três quilómetros mais à frente, outro caso de acesso “privado” a praia pública. Um empreendimento turístico, situado na Torre da Medronheira, decidiu há cerca de dez anos cortar o acesso público à praia, colocando uma portada num antigo caminho pedonal. A fiscalização municipal levantou um auto de notícia e o assunto morreu por aí. A placa com “acesso condicionado” continua no mesmo sítio e só quem lá pode passar são os clientes do aldeamento, situado ao lado do posto da GNR. Na praia dos Tomates também houve, no passado, o corte do acesso ao areal, mas o interesse público acabou por se sobrepor ao privado.

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