Para Maria, enfrentar o frio e o "verdadeiro bootcamp da vida"

Previsões de frio fizeram activar os planos de protecção das populações mais vulneráveis em Lisboa e o Porto. Há cama, comida e banho quente para quem, por esta altura, "enfrenta o frio de frente".

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Miguel Manso
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Porto, quartel dos Bombeiros Sapadores Nelson Garrido
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Porto, Amial Nelson Garrido
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Porto, Amial Nelson Garrido
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Porto, Amial Nelson Garrido
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Porto, antigo Hospital Joaquim Urbano Nelson Garrido
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Porto, antigo Hospital Joaquim Urbano Nelson Garrido
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Porto, antigo Hospital Joaquim Urbano Nelson Garrido
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Porto, antigo Hospital Joaquim Urbano Nelson Garrido
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Porto, antigo Hospital Joaquim Urbano Nelson Garrido
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Porto, Boavista Nelson Garrido
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Porto, Boavista Nelson Garrido
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Porto, estação de metro do Bolhão Nelson Garrido
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Porto, estação de metro do Bolhão Nelson Garrido
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Porto, Rua Gonçalo Cristovão Nelson Garrido
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Porto, Praça da República Nelson Garrido

Maria (nome fictício), 40 anos, é empresária. Passou o dia a trabalhar. À noite veio jantar à cantina improvisada no Pavilhão Desportivo do Casal Vistoso, no Areeiro, em Lisboa. Esteve na biblioteca de Algés e foi aí que viu as notícias: a Câmara Municipal de Lisboa activou o plano de contingência de frio para a população sem-abrigo e o pavilhão desportivo está transformado, desde as 19h30 desta terça-feira, num espaço onde há comida, roupa e banho quente para quem vive na rua.

Sentou-se à mesa com Cláudio Rodrigues, 37 anos. Acabados de se conhecer. Maria pousou no chão os três sacos que carrega todos os dias – “a casa às costas” – e uma mala. Faz as pessoas pensarem que é de um computador. Poucos sabem que não tem casa.

Hoje o jantar é sopa da pedra, sandes e sobremesa. E o café “está óptimo”. “Sabe a calor”. Amanhã o prato há-de mudar – num dia será bolonhesa, noutro bacalhau e ainda sopa de legumes, como mostram as ementas que Francisco Neves, da Cruz Vermelha de Lisboa, segura nas mãos. O prato há-de mudar todos os dias, pelo menos até sábado, data em que a autarquia prevê dar como terminado o plano de contingência de frio. No entanto, a monitorização da meteorologia é diária e se os termómetros teimarem em registar temperaturas próximas dos 3ºC, o plano mantem-se no activo, garantiu Carlos Manuel Castro, vereador com o pelouro da Protecção Civil.

Maria veio de Algés com o único objectivo de “estar aqui no quentinho”. A vulnerabilidade já lhe ensinou quais os limites físicos do seu corpo. Sabe que tem “genica nos pés para uns quilómetros com os sacos às costas”, mas que o frio a pode deitar abaixo. “Isto é que é um verdadeiro bootcamp da vida: passar frio, querer comer e não ter, ter as pessoas a questionar porque me vesti igual a ontem e porque carrego tantos sacos. Ninguém, ninguém imagina a ginástica que é isto tudo”, confessa, comparando as noites na rua aos campos de treino ao ar livre, de inspiração militar.

Estando no Casal Vistoso contactou, pela primeira vez, com os mecanismos activados pela autarquia e pelas associações de apoio à população sem-abrigo em situações, como esta, de emergência: pode pegar em roupa lavada, tomar um banho quente e solicitar o apoio médico da equipa que se encontra no pavilhão. Esta é também uma oportunidade para conhecer as respostas de alojamento existentes na cidade (centros de acolhimento, albergues nocturnos, centros de tratamento,…). “A proximidade gerada nestes locais permite muitas vezes que as pessoas sejam sinalizadas pelas equipas técnicas e encaminhadas para outras respostas”, salientou João Afonso, vereador dos Direitos Sociais.

Como Maria, também Cláudio Rodrigues experimenta pela primeira vez este espaço abrigado do frio. “É bom poder tirar o casaco”. Este é quinto Inverno que passa na rua e não deixa de considerar “muito humano que [a câmara e as associações] se lembrem, nesta altura, de quem enfrenta o frio de frente”. Não é possível pernoitar no pavilhão, mas Cláudio pode escolher passar a noite num albergue ou centro de acolhimento. À porta, as carrinhas da câmara param e arrancam para deixar e levar pessoas.

Primeira noite

Por volta das 21h30, começavam as rondas da Protecção Civil pelas ruas do Porto. Distribuíram-se cobertores e bebidas quentes por aqueles que, esta noite, escolheram ficar na rua. Ao mesmo tempo, sinalizavam-se aquelas que preferissem dormir no edifício do antigo hospital Joaquim Urbano, preparado como abrigo durante a vaga de frio na cidade. Uma hora depois, a equipa tinha encaminhado nove pessoas para o espaço cedido pelo Centro Hospital do Porto, em parceria com a Câmara Municipal. Para além de uma cama e banho quente, na quarta-feira de manhã o pequeno-almoço é oferecido a quem lá passou a noite.

Para abrigo, a estação de metro do Bolhão está aberta toda a noite. Assim como as estações do Rossio, Intendente, Saldanha, Oriente e Colégio Militar, em Lisboa.

Em ambas as cidades, as equipas de intervenção trabalham de forma redobrada. A PSP, a Polícia Municipal e a Protecção Civil têm, por estas noites, mais agentes nas ruas. As associações de intervenção social posicionam-se nos locais de maior concentração para informar quem dorme na rua de que, por estes dias, tem outro abrigo. Como no Rossio, onde a equipa da recém-criada Atos de Mudança está desde o início da tarde desta terça-feira a informar aqueles que dormem nas proximidades. É preciso garantir às pessoas que existe transporte e descansar quem tem medo de vir a perder o lugar ou os pertences que deixa na rua, esclarece Pedro Magalhães, psicólogo da associação. Uma segunda carrinha da autarquia está já a caminho para levar mais cinco pessoas que esperavam na praça.

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Nelson Garrido

Pelas 22h30, enquanto os restantes voluntários da Comunidade Vida e Paz mantêm as rondas diárias pela cidade, Miguel Salgueiro e Marina Dias percorrem a zona do Intendente. A associação têm excepcionalmente dois grupos de voluntários junto ao Intendente e no Saldanha, pontos de referência atribuídos pelo plano municipal. Desde o início da noite informaram cerca de dez pessoas. Três já estavam por aquela altura no Casal Vistoso e hão-de voltar à Avenida Almirante Reis para passarem a noite, trazidos pelos voluntários.

Perto das 23h15, o ecrã luminoso de uma das farmácias da avenida regista 13ºC. A temperatura é um motivo que faz sorrir estes voluntários. “Já houve dias mais frios, mas fez-me muito bem em antecipar. São muitas associações, muitas entidades e uma grande máquina para colocar a funcionar em tão pouco tempo”, ressalva Celestino Cunho, coordenador das equipas de rua da Comunidade. Prevendo que o frio se faça sentir com mais intensidade esta quarta-feira, esta “máquina” quer estar a funcionar em pleno.

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