Os pratos das casas dos nossos avós estão a renascer numa fábrica em Ílhavo

Casal empreendedor dá corpo e alma à marca Oficina da Formiga, produzindo peças de cerâmica que fazem parte da cultura popular portuguesa. Pratos, bilhas, saleiros ou canecas que também já estão a ganhar fama além-fronteiras.

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Adriano Miranda
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Quem não se recorda dessa imagem de ver as salas e cozinhas das casas portuguesas repletas de peças de cerâmica, coloridas com flores, peixes ou galos? Bilhas, canecas, pratos, travessas, entre muitas outras peças que marcaram uma época – não tão longínqua assim – e que nos levam a recordar vivências e sensações dos tempos passados nas casas dos avós ou dos pais.

A era moderna passou a ditar o recurso a peças de design mais contemporâneo, muitas das empresas que produziam esta faiança tradicional portuguesa – indústrias que estavam sediadas em Aveiro, Coimbra, Lisboa, Sacavém, Caldas da Rainha e Gaia – acabaram por desaparecer e também a arte do “saber fazer” se foi desvanecendo.

Mas há quem teime em remar contra a maré e faça questão de manter bem viva uma grande tradição portuguesa, como é o caso de Milú e Jorge Paiva, casal empreendedor que está na origem da marca Oficina da Formiga e que começa já a viajar para vários pontos do mundo. A partir do atelier que montaram na sua residência – uma casa gandaresa, datada de 1915 –, situada em Ílhavo, na região de Aveiro, produzem dezenas e dezenas de peças diferentes, carregadas de simbolismo – como é o caso do prato da abundância (ver caixa) – e que são também testemunho da história popular portuguesa. Ali renascem os formatos e os motivos de louça utilitária fabricada na segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX.

O projecto começou a ganhar forma em 1998, muito por força da ligação que Jorge Paiva mantinha, há alguns anos, com o mundo da cerâmica. Sendo licenciado em Engenharia Cerâmica do vidro, e tendo sido criado numa região com uma forte tradição no sector da cerâmica (Aveiro), foi com naturalidade que se apaixonou por esta arte. “Os meus familiares também estiveram ligados a esta área e eu próprio trabalhei em várias fábricas”, introduz Jorge Paiva.

Durante muito tempo conciliou um emprego a tempo inteiro com a produção de peças de sua autoria, nas horas vagas, em casa. Mas, há uns quatro anos, e muito por força da crise, abraçou o projecto da Oficina da Formiga a tempo inteiro e em exclusivo. A sua mulher também deixou o emprego num laboratório de análises clínicas para se dedicar a 100% à produção e comercialização destas peças de alma portuguesa. E tem sido gratificante? “Tem sido fantástico ver as gerações mais novas a entrarem aqui e a encomendarem um serviço de faiança”, relata Milú, ao mesmo tempo que destaca a boa reacção que têm tido os clientes que vêm do estrangeiro. “Franceses, brasileiros, chineses e japoneses, temos recebido clientes de vários pontos”, acrescenta. E sejam portugueses ou estrangeiros, há algo que é ponto assente para os mentores da marca Oficina da Formiga: mais do que para vender, as portas estão abertas para quem quiser conhecer a forma de produção desta unidade situada em Ílhavo. “Há pessoas que vêm aqui e dizem que até nem vinham preparadas para comprar, mas nós não deixamos de lhes mostrar a oficina por causa disso”, conta Milú.

Pintura através da estampilhagem                                          
No atelier, todos podem constatar que o processo de produção é relativamente simples, mas igualmente rigoroso e meticuloso. As peças chegam à oficina situada na localidade ilhavense da Coutada já com uma cozedura (em chacota branca), vindas de pequenas oficinas da região – de acordo com os modelos criados pelos mentores da Oficina da Formiga. Depois são preparadas – com uma lixa que lhes retira imperfeições – para o processo de pintura e vidragem. Na maior parte das peças, a pintura é feita por estampilhagem (processo usado em Portugal desde 1843), em que para cada cor do desenho existe uma estampilha (uma espécie de máscara). O desenho final é conseguido através da sobreposição, encaixe e pintura de cada estampilha. A peça é depois vidrada e só fica terminada após ir ao forno.  

“Acompanhamos todo o processo com rigor”, assegura Jorge Paiva, sem esconder que é exigente quanto à qualidade das peças nas quais exibe a marca Oficina da Formiga – e que é comercializada a partir do site www.ofceramics.com, bem como na própria sede da oficina, além de noutros estabelecimentos comerciais situados noutras cidades. Tanto assim é que, ultimamente, até já tem dedicado algum do seu tempo a produzir as peças de origem. “Tivemos alguns problemas com algumas peças que não vinham perfeitas e começámos nós a produzir. Mas não temos capacidade para fazer tudo”, desabafa. “Estamos agora em contactos com uma outra oficina e acreditamos que as peças vão começar a chegar aqui com a qualidade que queremos”, perspectiva o empresário.

Por ora, está afastada a possibilidade de aumentar em larga escala a produção que é feita na oficina. “Queremos crescer, mas devagar, passo a passo”, responde Milú, sem esconder que uma das principais características da unidade que gere com o marido passa pela atenção e cuidado com que é produzida cada peça. “Em média, produzimos dez peças por dia, mas depende muito do tipo de peças que estamos a fazer. Se estivermos a produzir pratos da abundância, a média desce para duas peças por dia”, explica Jorge Paiva.

Um prato que desejava uma boa união
O prato da abundância tem sido uma das “estrelas” do catálogo da Oficina da Formiga, muito por força da sua história e simbolismo. É que esta era uma peça que tradicionalmente se oferecia aos noivos quando se casavam, desejando abundância e felicidade na sua casa e na vida conjugal.

Os votos estão lá todos representados, através dos elementos desenhados no centro e na beira do prato. Comecemos pelo centro, com o “peixe às postas”, que simboliza o milagre bíblico da partilha e da multiplicação. As “pintas azuis” representam o dinheiro que surgiu por milagre bíblico na boca do peixe quando foi pescado, mas também como o resultado do trabalho na pesca (simbolizado pela redes pintadas), ou do trabalho no campo. Fica, assim, feito o desejo para que nunca falte o trabalho e o dinheiro em casa dos noivos.

Na beira do prato, as sete composições, cada com a espiga de trigo, uvas e uma flor (papoila), representando a satisfação das necessidades diárias de pão (que dá vida ao mundo), de vinho (sangue da vida), da fertilidade e felicidade. Sem esquecer a serpente, que pretende simbolizar a tentação e o pecado, para lembrar que existe e que a devem evitar.

E, caso o cliente assim o deseje, na Oficina da Formiga pode optar por personalizar o presente, colocando o nome dos noivos no fundo do prato da abundância.

 

 

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