Odivelas vai concessionar abastecimento de água e saneamento a privados

Trabalhadores dos SMAS de Loures temem ficar sem trabalho e prometem protestos. Concessão poderá levar ao aumento da factura da água paga pelos munícipes.

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Câmara de Odivelas critica falhas no serviço de abastecimento de água pelos SMAS de Loures Paulo Ricca/Arquivo

A assembleia municipal de Odivelas aprovou na terça-feira a concessão a privados do abastecimento e saneamento de água, numa reunião que terminou com gritos e palavras de protesto de duas centenas de trabalhadores dos Serviços Municipalizados (SMAS) de Loures. Os funcionários temem que esta decisão os deixe no desemprego e antecipam um aumento de 19% no custo da água no primeiro ano.

“A água é de todos” e “agora vão vocês apanhar o lixo” foram algumas das frases mais escutadas depois de a assembleia municipal ter dado “luz verde” à concessão do serviço de água no concelho. A proposta foi aprovada com os votos a favor do PS e PSD e contra da CDU, BE, CDS-PP e Movimento do Partido da Terra.

Actualmente os SMAS de Loures (município vizinho) são responsáveis pelo fornecimento de água e pelo saneamento de águas residuais em Odivelas, servindo cerca de 150 mil clientes domésticos, e são ainda responsáveis pela recolha do lixo.

A concessão do serviço de abastecimento de água e saneamento de águas residuais a privados já tinha sido aprovada por maioria na quinta-feira passada pelo executivo municipal, que aprovou também a denúncia do contrato de recolha do lixo, celebrado com os SMAS de Loures.

A autarquia de Odivelas alega que a concessão do serviço de água é a solução mais indicada para o concelho, uma vez que “vai permitir ao município melhorar as suas infraestruturas e controlar as tarifas que vão ser cobradas”.

No entanto, na origem da decisão está também a insatisfação com o serviço, que tem motivado ao longo dos últimos anos duras críticas por parte da Câmara de Odivelas. No início de Janeiro, perante a falha na recolha do lixo no concelho, a autarquia manifestou-se contra a “degradação da prestação destes serviços, à semelhança do que acontece também com o abastecimento de água ou com a forma como é feita a recolha e transporte das águas residuais”. Este problema é, dizia o executivo, “uma evidência inegável e vem-se agravando nos últimos anos de uma forma totalmente inaceitável”.

Na terça-feira, em declarações à RTP, a presidente da Câmara de Odivelas, Susana Amador (PS), queixou-se de ter um sistema "ineficiente com fugas superiores a 40%" e atribuiu culpas à alegada falta de investimento no concelho, por parte dos SMAS de Loures.

Por sua vez, os trabalhadores dos SMAS – no total são 1050 mas apenas 400 estão afectos à área de Odivelas – temem que a entrega do serviço a uma empresa privada os deixe no desemprego. O caderno de encargos aprovado, ao qual o PÚBLICO teve acesso, não salvaguarda os postos de trabalho. A concessionária "poderá aceitar integrar nos seus quadros de pessoal trabalhadores afectos aos SMAS de Loures de acordo com as suas necessidades e nos termos a definir entre esta e os SMAS de Loures", refere o documento. A própria presidente da Câmara de Odivelas admitiu na terça-feira que apenas deverão ser integrados 110 funcionários.

“Se o Raposo [presidente da Câmara da Amadora] e o Isaltino [presidente da Câmara de Oeiras] se entenderam, a Susana Amador [presidente da Câmara de Odivelas] e o Carlos Teixeira [presidente da Câmara de Loures] também podem”, afirmou um dos trabalhadores, referindo-se ao facto dos municípios de Oeiras e Amadora também partilharem os SMAS.

Outra questão levantada pelos trabalhadores é a do previsível aumento do preço da água pago pelos munícipes, à semelhança do que aconteceu noutros concelhos em que se optou pela concessão do serviço a privados. À RTP, a representante dos trabalhadores fala num aumento do custo em 19% no primeiro ano. Confrontada com esta possibilidade, Susana Amador disse àquela estação televisiva que vai "fazer tudo para que haja um tarifário especial" para famílias numerosas e empresas. "Acima de tudo, o que eu garanto é um melhor serviço, ou seja, quando abrirem a torneira corre água", rematou.

O PÚBLICO tentou falar nesta quarta-feira com a autarca, que não esteve disponível.

Loures opõe-se à decisão

Confrontado na sexta-feira com a decisão de Odivelas, o presidente da Câmara de Loures, Carlos Teixeira (PS) disse à Lusa que o processo “não poderá avançar” sem que os dois municípios concluam o processo de partilha, que está por resolver há 14 anos, desde que Odivelas se separou de Loures, em 1998.

“Independentemente de tudo o que a presidente de Odivelas queira fazer, tem de fazer a partilha. Ela ainda não conseguiu entender que não pode privatizar nada porque nada daquilo é dela. Todas as infraestruturas são pertença dos SMAS de Loures, porque foram eles que lá investiram”, afirmou o autarca.

“Nós nunca tratámos Odivelas de maneira diferente. As tarifas sempre foram as mesmas para um e para outro. Estivemos e estamos disponíveis quer para fazer o processo de partilha, quer para criar uma empresa intermunicipal”, acrescentou.

A operação está a ser analisada pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), que depois emitirá um parecer sobre o processo. A avançar, a concessão será feita por 30 anos e a empresa que ficar com o serviço terá de pagar 29,7 milhões de euros pelas infraestruturas.

Na ordem de trabalhos da reunião da assembleia municipal estava também a votação para denunciar o acordo de prestação de serviços para a recolha do lixo, também prestados pelos SMAS, mas a sessão teve de ser interrompida devido aos protestos dos trabalhadores – que obrigaram mesmo à presença da polícia. Deverá ser retomada na próxima terça-feira à noite.

 


 


 

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