Obras na Avenida da Boavista vão prolongar-se até finais de 2015

Comerciantes começam a fazer contas aos prejuízos e não descartam a hipótese de vir a processar a autarquia. Executivo recusa responsabilidades e diz que, contratualmente, as obras terão de ser executadas até ao fim

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A empreitada de requalificação da Avenida da Boavista foi adjudicada à Mota-Engil, por um montante global de cinco milhões de euros Paulo Pimenta

Foi no sábado da semana passada que o dono da Livraria Nunes, Manuel Jesus Nunes, decidiu mandar um último “desabafo” à empresa responsável pelas obras de requalificação do troço nascente da Avenida da Boavista, a empresa municipal de Gestão de Obras Públicas (GOP-EM). Com obras literalmente à porta desde Abril, Manuel Nunes diz que teve vários dias em que se sentiu barricado, com terra aos montes, a elevar-se à altura da sua porta.

Hoje em dia, diz que, pior do que barricado, se sente "perdido e desesperado". No desabafo que enviou à GOP, via email, o livreiro perguntava como seria possível terminarem as obras dentro do prazo previsto se o que ele via era pouca gente em obra e tanto trabalho por fazer. “Querem acabar com a última livraria de comércio tradicional que existe na Avenida da Boavista?”, perguntava. Esse era o desabafo: os receios, sérios, de não conseguir sobreviver.

Manuel Nunes tem vindo a fazer as contas ao prejuízo, e reporta quebras de facturação de 70%. E está "muito preocupado" porque já começa a dar como perdida a melhor época do ano em termos de volume de vendas – aquela em que trata dos livros escolares. "O ano passado, por esta altura, já tinha muitas encomendas. Agora, nem uma!", lamenta.

As obras foram adjudicadas à Mota Engil por cinco milhões de euros, ainda pelo anterior executivo, liderado por Rui Rio. Era esperado que as obras da terceira fase de requalificação da avenida, que decorrem no troço compreendido entre as Ruas de Guerra Junqueiro e de Agramonte, terminassem no final de Julho, depois de quatro meses de obra. E só então, depois disso, se avançaria para a quarta fase dos trabalhos, entre Guerra Junqueiro e a Rua de António Cardoso.

Não é preciso ser engenheiro nem perceber de obras para detectar que falta fazer muita coisa, e que o prometido e anunciado, de terminar a terceira fase de obras até ao final do mês de Julho, e então depois começar a quarta fase, é impossível de cumprir. A confirmação veio por escrito, em duplicado, na segunda-feira, em resposta ao email enviado, e também por correio, numa carta enviada a todos os moradores e comerciantes.

Nessas missivas, a GOP explicava que as obras de requalificação na Avenida da Boavista “não decorreram conforme o planeamento elaborado”, pelo que os trabalhos na terceira fase (aquela que implica mais directamente a Livraria Nunes) iriam continuar “por mais 30 dias no lado sul e um prazo de 90 dias no lado norte”. Ou seja, até meados do mês de Setembro. Entretanto, a 1 de Julho, arrancou a frente de obras da quarta fase, que interditou a circulação no longo troço da Avenida da Boavista entre a Rua de Guerra Junqueiro e a Rua de António Cardoso, limitou o trânsito de acesso local à Rua de Belos Ares e à Rua de António José da Costa. E essa quarta fase só terminará em finais de Outubro. 

Alberto Anjos, à porta da Retrosaria Andia, uma loja com mais de 60 anos instalada na esquina da Avenida da Boavista com a Rua de Guerra Junqueiro, também recebeu a carta, imprimiu os mapas dos trabalhos em que a GOP dá conta das várias fases de cada uma das empreitadas, e só tem um comentário a fazer: "Atrasam-se e não explicam porquê, começam uma obra sem acabar outra, dizem que querem diminuir os impactos no arranque do ano escolar, que é em Setembro, e começam uma obra que só acaba em Novembro. Não se percebe nada, andam a brincar connosco", repete.

Por via das dúvidas, admite, começou a fazer contas. Para ver no que vai dar. Agarrou-se à jurisprudência a favor dos 60 comerciantes que reclamaram prejuízos causados pelas obras da Porto 2001 (o Estado foi condenado a pagar uma indemnização a rondar os 3 milhões de euros) e está a preparar-se para o que for preciso. 

O mesmo está a fazer a gerente da Maciel e Ferreira, Lda, um armazém que importa e comercializa produtos de cosmética, perfumaria e dispositivos médicos. Raquel Faria diz que estão a “reportar tudo”. “Até porque temos de justificar aos nossos clientes por que é que não cumprimos os prazos de entrega”, justifica. E dá um exemplo: há mais de um mês que estão à espera de um camião com expositores para farmácias vindo de Espanha. Quando são coisas pequenas, clientes e funcionários têm a boa vontade de carregar as caixas à mão. No caso dos expositores, é mais difícil. “O camião não consegue aqui chegar, e dá meia volta”, sintetiza a gestora.

“Isto é um caos. Um caos!!”, queixa-se Emanuel Nunes, dono da Padaria O Forno. Directamente afectado pela terceira fase das obras, que lhe permanecem à porta, já regista quebras na facturação que vão dos 30 aos 40%. “Eu não quero mais nada: só que terminem as obras depressa, muito depressa”. Mas ninguém está a ver muito bem como. E, responde a autarquia, não há nada a fazer, até finais de 2015: “A obra foi adjudicada pelo anterior executivo em toda a sua extensão e tem, contratualmente, que ser levada até ao fim. Ou seja, as previstas quinta e sextas fases serão executadas, conforme previsto, e a obra terminará em finais de 2015”.

Autarquia recorda que “herdou” a obra

A empreitada de requalificação da Avenida da Boavista foi adjudicada à Mota-Engil, por um montante global de cinco milhões de euros, ainda a câmara era liderada por Rui Rio. O objectivo é uniformizar o perfil em toda a avenida, dotando-a de novas infra-estruturas subterrâneas, assim como fazer o alargamento das áreas pedonais e a construção de ciclovias.

Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial do actual executivo explica que no caderno de encargos estava previsto o corte total de trânsito em todas as fases da empreitada (foi o que aconteceu, por exemplo, no troço entre a Rua de Agramonte e a Rotunda da Boavista, altura em que também ficou feita a ligação ao parque de estacionamento subterrâneo da Casa da Música) e que, do ponto de vista contratual, as actuais terceira e quarta fase pertenciam a uma mesma fase da empreitada. Foi, pois, já sob a gestão de Rui Moreira que se optou por fazer alterações, e redefinir a intervenção, dividindo a terceira fase em duas (terceira e quarta) e evitar o corte total durante a terceira. Isso permitiu que, durante os últimos meses, a obra decorresse sem corte e sempre com dois sentidos de trânsito. “Por esse motivo, mas também devido à instabilidade do terreno (imprevista), esta parte da obra prolongou-se mais do que o estabelecido inicialmente”, lê-se no esclarecimento enviado ao PÚBLICO por escrito.

Quanto à quarta fase, agora iniciada, o corte de trânsito era inevitável. “Em face do caderno de encargos do concurso, a não-efectivação do corte neste troço levaria a uma eternização da obra e a custos adicionais incomportáveis”, justifica. A explicação para o arranque desta fase da obra sem estar terminada a anterior assenta nas boas intenções “de conseguir reabrir ao trânsito antes do previsto”.

“Fizemos coincidir o início da obra com o início das férias escolares, a fim de terminar o seu maior impacto a tempo do ano escolar. Embora a empreitada não possa ser encurtada, o empreiteiro e a CMP estão esperançados que possam, pelo menos parcialmente, reabrir o trânsito antes de Novembro (final previsto), mesmo que a obra ainda decorra, à semelhança do que sucedeu na terceira fase, onde não chegou a ter qualquer corte total”, adianta a câmara.


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