O futuro das cidades está nas mãos de adolescentes

Alunos de escolas de todo o país estão a propor projectos para os seus concelhos e alguns até conseguem influenciar os PDM. Braga, com cinco escolas, é o concelho com mais adesão.

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Braga é o concelho com mais adesão à iniciativa, lançada para discutir problemas e soluções para as cidades Adriano Miranda

Beatriz tem uma pergunta: “Que edifícios podem estar disponíveis no centro da cidade para instalar um espaço cultural juvenil?”. É aluna do 12.º ano e gostava de ver esse projecto implementado no sítio onde vive a estuda. O chefe da divisão do centro histórico da câmara local mostra-lhe algumas opções e os colegas começam a discutir as hipóteses. O episódio passa-se em Braga com estudantes da Escola Secundária Dona Maria, mas podia ser num de oito concelhos do país que aderiram ao programa “Nós propomos”, lançado por um professor da Universidade de Lisboa. O objectivo é envolver os jovens na discussão sobre os problemas e as soluções para as duas cidades.

A ideia de Beatriz é aproveitar um espaço devoluto no centro da cidade para instalar um espaço onde jovens do concelho possam mostrar os seus dotes artísticos. Os edifícios públicos desaproveitados em Braga dominam as ideias apresentadas pelos alunos. Eduardo e Filomeno, colegas da mesma turma, querem reabrir os antigos cinemas S. Geraldo e o Shopping Santa Cruz como um museu da cidade e Guilherme quer encontrar uma solução para o edifício do antigo hospital de S. Marcos, inutilizado desde a abertura da nova unidade de saúde da cidade, em 2011.

Os 28 alunos da escola Dona Maria estiveram reunidos com os técnicos do centro histórico da Câmara de Braga e com a equipa responsável pelo Plano Director Municipal (PDM), colocando em cima da mesa as suas dúvidas acerca dos projectos que querem propor à cidade. Agora têm cerca de um mês para trabalhar as ideias, antes de as apresentarem publicamente, a 5 de Maio, num seminário nacional na Universidade de Lisboa. Aí estarão todos os projectos dos alunos de 16 escolas do país para as respectivas cidades, sendo as melhores ideias reunidas depois numa publicação.

É assim que funciona o programa “Nós propomos”, lançado pelo professor de Geografia da Universidade de Lisboa Sérgio Claudino, para dar resposta à falta de cumprimento de um dos pontos do programa da disciplina no ensino secundário. “Desde 2004 que está prevista a realização de um estudo de caso”, conta o investigador, que diz ter verificado que isso “raramente acontece”. Como os estudantes e professores estão mais focados nos exames nacionais e nunca há perguntas sobre esta componente do programa, o estudo de caso fica sempre esquecido. “A ideia é tentar agarrar este espaço que existe no programa e mobilizar as escolas”, descreve.

Braga aderiu ao programa no final do ano passado, mas é já o concelho a nível nacional que tem mais alunos envolvidos no “Nós propomos”, com cinco estabelecimentos de ensino. Mas nos dois anos anteriores a iniciativa já tinha acontecido em concelhos como Évora, Gaia, Viseu, Sintra ou Seixal. Este último é mesmo um dos casos destacados por Sérgio Claudino como exemplar dos impactos que o projecto pode ter. Os projectos apresentados pelos alunos do concelho nos últimos dois anos foram levados a discussão na Assembleia Municipal e alguns deles constam mesmo da proposta do novo Plano Director Municipal (PDM).

Em Braga, a revisão do documento foi o mote para o programa. O vereador do Urbanismo da câmara é também professor de Geografia, na Universidade do Minho, e conheceu o programa num congresso em Évora, onde o “Nós propomos” foi apresentado. “Queremos que este seja um processo o mais participado possível e pareceu-nos uma boa ideia para pôr os estudantes a pensar nos problemas da cidade”, conta Miguel Bandeira.

No gabinete onde trabalham os técnicos responsáveis pelo PDM, os alunos da Dona Maria agrupam-se à volta de uma mesa onde há mapas do concelho e outras ideias em discussão como o mapeamento dos equipamentos públicos onde existe amianto ou a demolição de uma fábrica abandona para dar lugar a um jardim. João Nuno Mendes, professor de Geografia destes alunos, elogia os alunos. “Eles hoje têm muita liberdade de movimentos e conhecem outras realidades fora da cidade, por isso constatam que Braga podia oferecer muito mais coisas do que aquelas que lhes oferece, sobretudo em termos de lazer”, conta. Por isso, mesmo num projecto exigente como este, o trabalho do professor acaba por estar facilitado: “Não tenho grande necessidade de “picá-los”. Eles têm ideias e mobilizam-se facilmente.

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