Num mês e meio três comboios de mercadorias descarrilaram na linha da Beira Alta

Algo vai mal entre a roda e o carril na linha por onde passa uma importante parte do comércio internacional do país.

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A empresa prevê a supressão de quase todas as ligações Adriano Miranda

A linha da Beira Alta esteve quase todo o dia de quinta-feira interrompida devido a um descarrilamento, que ocorreu na quarta-feira às 22h30, de um comboio carregado de bobinas de papel que vinha do Entroncamento com destino a uma fábrica dos arredores de Madrid. A Refer anunciou na noite de quinta-feira o restabelecimento da circulação. Um tipo de incidente que se está a tornar cada vez mais frequente. Os factos falam por si.

Dia 15 de Maio de 2014: um vagão de um comboio de mercadorias da Takargo descarrila e destrói a via ao longo de seis quilómetros entre Mortágua e o Luso.

Dia 28 de Maio de 2014: um comboio de mercadorias da CP Carga desacarrila naquele troço, que se encontrava em obras de reparação na sequência do acidente anterior.

Dia 2 de Julho de 2014: um vagão de um comboio de mercadorias da Takargo descarrila perto de Fornos de Algodres.

Três descarrilamentos num tão curto espaço de tempo fazem soar campainhas de alarme na Refer e também na Takargo - a única empresa privada de transporte de mercadorias em Portugal - e que está envolvida em dois dos acidentes, ambos com circunstâncias muito semelhantes.

Nestas coisas, dizem os ferroviários que a culpa ou é da roda ou do carril. Ou de ambas. Mas também é certo que a linha da Beira Alta tem problemas ao nível da infra-estrutura, cuja manutenção foi descurada nos últimos anos, estando em curso um amplo projecto de reabilitação.

Apesar de modernizada no início dos anos 90, de ser electrificada e de estar dotada de modernos sistemas de sinalização, só alguns troços é que foram nessa altura inteiramente renovados, havendo zonas que não foram estruturalmente intervencionadas desde os anos 80 e algumas até desde os anos 70 do século passado.

Há troços da Beira Alta que sofrem do efeito pumping, que se deve à criação de bolsas de água debaixo das travessas dos carris que se formam à passagem dos comboios e que faz com que a água seja bombeada para a superfície trazendo consigo elementos de terra mais finos. Isso provoca um vazio na linha, também conhecido como assentamento da via. Ou seja: a linha descai fazendo com que a roda não assente completamente no carril o que pode ser o suficiente para, em determinadas situações, provocar um descarrilamento.

E no caso do acidente de quarta-feira havia um pumping 100 metros antes do descarrilamento.

Por outro lado, há uma grande coincidência no facto de dois dos descarrilamentos se darem com a mesma empresa e o mesmo tipo de vagão, que a dado momento salta da linha e vai “apertado” entre os restantes até que o maquinista descobre que algo vai mal na composição.

Os comboios da Takargo que transportam bobinas de papel usam vagões de plataformas articuladas, de origem espanhola, e que pertencem a um consórcio formado por aquela empresa e pela sua sócia Comsa. A manutenção desta frota é feita em Espanha por uma empresa privada.

Curiosamente, os descarrilamentos deram-se também em zonas onde a Refer estabeleceu afrouxamentos, tendo em conta que a linha não está em perfeitas condições. Afrouxamentos esses que deverão ser levantados após a renovação da infra-estrutura.

Entre a responsabilidade do carril e a da roda, sobra, também, a hipótese de se dar uma conjugação de ambas. E parece ter sido o que tem acontecido na linha da Beira Alta onde, para além dos problemas na infra-estrutura, o material circulante parece não se dar bem com a via.

A maldição da Beira Baixa
Encerrado para obras desde 2009, o troço da Beira Baixa entre Guarda e Covilhã poderia ser uma alternativa à linha da Beira Alta sempre que acontecem descarrilamentos nesta última. Quando que há incidentes, a CP tem procurado obviar o problema com transbordos rodoviários, mas seria possível assegurar o fluxo ferroviário normal para a Guarda e Vilar Formoso através da linha da Beira Baixa se as obras que tiveram em início há cinco anos não tivessem sido interrompidas. Em causa estão apenas 46 quilómetros de via férrea, parte dos quais, curiosamente, já estão modernizados e equipados com materiais de última geração e que estão neste momento ao abandono.

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