Novo PDM do Porto quer reconstrução, não construção nova

Câmara aprovou abertura do procedimento da 2.ª revisão do Plano Director Municipal da cidade, que deve demorar 16 meses a estar concluído.

O executivo da Câmara do Porto aprovou, na reunião de terça-feira, a abertura do processo de 2.ª revisão do Plano Director Municipal (PDM) e o vereador do Urbanismo, Correia Fernandes, já deixou um aviso: “Reconstruir será um dos pontos de ordem que gostava que estivesse no PDM. Não vamos deitar abaixo o velho para construir o novo”.

O socialista falava aos vereadores, na reunião pública do executivo, e justificou aquele desejo com um facto concreto: “Temos muitos metros quadrados de [edificado] novo sem mercado”, disse. A isto juntam-se muitos edifícios vagos a necessitar de reabilitação. Informações que podem ser confirmadas pelos dados do Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT), que irá ser submetido a discussão pública depois de ter sido levado à vereação nesta última reunião.

O REOT traça um retrato da cidade nas últimas décadas, mas os dados não vão além do ano de 2012. Ainda assim, é possível verificar uma alteração significativa no tipo de construção no Porto e também o “forte incremento de fogos vagos” entre 2001 e 2011. Segundo o relatório, neste último ano, as casas vagas na cidade “representavam quase 19% do total de alojamentos de familiares clássicos”, com a Vitória a apresentar mais de 46% dos seus fogos vazios. Em termos absolutos, em 2011 havia 25.833 fogos vazios na cidade (mais sete mil do que em 2001) e, quase 4500 deles tinham sido construídos entre 2001 e 2011. Correia Fernandes diz que, apesar de não ter informação estatística dos anos mais recentes (2012 a 2015) a percepção que tem é que “a tendência se manteve” e até se acentuou. “A ideia que temos, até pelo cruzamento com outros dados, como os contadores inactivos, é que existirão na cidade cerca de 15 mil casas novas, que nunca chegaram a ser ocupadas e que estão vazias”, disse ao PÚBLICO.

O vereador do Urbanismo defende, por isso, que “o grande tema do PDM será a reconstrução e reabitação da cidade”. Para o conseguir, o documento deverá traçar linhas que ponham a funcionar instrumentos que decorrem da Lei geral e que “não têm sido muito utilizados” (como a obrigatoriedade de fazer obras nas habitações de oito em oito anos); rever o programa de incentivos fiscais à reabilitação; reforçar a fiscalização e penalização de quem mantém casas vazias e sem obras, com riscos de segurança e salubridade. Além disso, o novo PDM deverá incluir já todos os instrumentos de ordenamento do território que afectam a cidade, o que permitirá “agilizar a apreciação” de pedidos de licenciamento, refere Correia Fernandes.

Os relatores do REOT consideram que “o elevado volume de fogos vagos surge como um reflexo de duas tendências, designadamente as que decorrem da progressiva degradação do edificado no centro da cidade e as dificuldades de escoamento da oferta de fogos novos”. Duas tendências que se distinguem, também, a nível da geografia da própria cidade.

Se as freguesias do centro concentravam, sobretudo, edifícios vagos para arrendamento, a percentagem mais elevada de casas vagas para venda estava, principalmente, nas freguesias de Lordelo do Ouro e Nevogilde. Contudo, em termos absolutos, em 2011, era Paranhos quem assumia a dianteira a este nível, já que ali “1535 fogos não tinham sido escoados pelo mercado”. O REOT, que se baseia em dados do Censos de 2011, refere ainda que as casas vagas classificada como sendo para “outros destinos” era extremamente elevada na cidade, chegando aos 54,4% de toda as casas vazias.

Casas novas para venda na periferia e antigas, para arrendamento, nas freguesias centrais parece ser, assim, o cenário actual do Porto, a que se juntam outros dados. Se, em S. Nicolau, no centro histórico, apenas 16% dos edifícios não necessitavam de obras, a percentagem subia para 82% em Aldoar, em 2011, e andava perto desse patamar em Nevogilde. Um “contraste acentuado”, refere o relatório, entre o centro – S. Nicolau, Sé, Vitória e Santo Ildefonso – e as “zonas norte e ocidental, onde o edificado é mais recente, encontrando-se em melhor estado de conservação”. A excepção é Miragaia, bem no centro histórico, mas onde mais de 55% dos seus edifícios não precisavam de reparação.

Com tantas casas vagas novas e tantas outras a precisar de reabilitação, não é e estranhar que Correia Fernandes afirme que a aposta na reabilitação seja “o grande desafio do ponto de vista do edificado”, no Porto. E esta nem será uma nova tendência. Dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), citados no REOT, apontam para uma quebra brutal da conclusão de fogos para habitação familiar em construções novas entre 2002 e 2011, passando de cerca de 1800 para menos de 600. E, entre 2002 e 2012, no Porto, dos 3294 projectos de obra licenciados “apenas cerca de um terço […] corresponderam a construção nova, evidenciando uma forte presença de obras de alteração de reduzida dimensão”.

Ainda assim, quando se construiu, construiu-se em grande e, por isso, quando se olha para a área de construção e o número de fogos, o domínio da construção nova ainda é bem evidente naquela década com, respectivamente, 63% e 75% do total. Uma realidade sentida sobretudo nos anos de 2006 e 2007, mas que mudou depois, com a chegada em força da crise e a queda dos pedidos de licenciamento. “Este processo foi acompanhado por alterações qualitativas sensíveis, em particular por uma redução drástica da proporção de licenças para construção nova, que tendo atingido mais de 57% do total em 2004, decaiu progressivamente até atingir pouco mais de 11% em 2012”, refere o relatório. O REOT diz mesmo que o número de novos fogos licenciados “é actualmente residual (menos de cem)”.

Com a reabilitação urbana a instalar-se, de forma mais sistemática, no Porto, o que foi aparecendo de construção nova, nos últimos anos, também se alterou – edifícios mais pequenos, com menos fogos de maiores dimensões, destinados aos segmentos superiores do mercado, com mais capacidade para resistir à crise, foram o habitual. A crise também afectou o valor das rendas pedidas às famílias sem capacidade para comprar, que baixou consideravelmente.

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