Novas demolições na ria Formosa suscitam protestos e interrogações

Marcha lenta juntou, no sábado, cerca de 160 automóveis em protesto contra a demolição de mais 400 habitações nas ilhas do Farol e nos Hangares. O que virá a seguir é a pergunta que o PS quer ver respondida.

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Operação de demolições nas ilhas-barreira do Algarve foi lançada nos anos 1980 Bruno Castanheira/Arquivo

Desde o início do ano foram derrubadas quase três centenas de casas de férias ilegais nas ilhas-barreira da ria Formosa.

Na grande operação de “limpeza” lançada nos anos 1980 pelo então secretário de Estado do Ambiente, Carlos Pimenta, foram abaixo duas centenas. Até ao arranque da época balnear está prevista a remoção de mais 400 habitações, situadas nos núcleos do Farol e nos Hangares. No sábado, em sinal de protesto, saiu de Olhão até à ilha de Faro, uma marcha lenta com 167 automóveis a exigir a suspensão do plano das demolições – proposta já chumbada na Assembleia da República há cerca de três semanas, com os votos da maioria PSD e CDS. No próximo dia 10 de Abril, o assunto volta à discussão no Parlamento, com a discussão e votação de quatro projectos de resolução, que vão ser apresentados pelo PSD-CDS, PS, PCP e BE.

Depois de removidas as casas, o que virá a seguir? Esta é a pergunta que anda no ar, com insinuações de que nessas ilhas paradísicas, mais tarde, poderão vir a ser construídos resorts de luxo. A questão é pertinente já que no litoral algarvio não faltam exemplos de construção de empreendimentos em zonas que, em princípio, seriam intocáveis, como é o caso das arribas. Por outro lado, na área do parque de campismo da ilha de Tavira, desafectada do Domínio Público Marítimo para a câmara, chegou a existir nos anos 1990 uma proposta para ali construir um eco-resort.

O presidente da Sociedade Polis Litoral da Ria Formosa, Sebastião Teixeira, a quem foi confiada esta acção, enfatiza: “As ilhas-barreira vão ser renaturalizadas, tal como está previsto no Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC)”. Por seu lado, o deputado socialista Miguel Freitas observa: “Isso é o que queremos ver concretizado, exigindo que a garantia seja dada pelo ministro Jorge Moreira da Silva”.

Políticos de férias nas ilhas
Do conjunto das figuras públicas algarvias que passam férias nas casas ilegais nestas ilhas destaca-se o antigo governador civil de Faro e presidente da Região de Turismo do Algarve, António Pina, do PS e pai do presidente da Câmara de Olhão; o ex-director regional de Educação, Alberto Almeida, PSD; e ainda o presidente da Assembleia Municipal de Olhão e coordenador regional da UGT,  Daniel Santana, também social-democrata.

O deputado socialista Miguel Freitas garante que o PS “vai continuar a bater-se pelo princípio da igualdade de tratamento e direito à habitação”. Das cerca de três centenas de casas demolidas, 193 situam-se nos ilhotes, frente à cidade de Olhão, restando apenas quatro habitações por não estar ainda garantido o realojamento. Por outro lado, há dez processos que ficaram pendentes, a aguardar pela decisão judicial das providências cautelares interpostas pelos proprietários.

Daniel Santana, na qualidade de presidente da assembleia-geral da Associação dos Moradores do núcleo dos Hangares, manifesta a esperança de que a “justiça reconheça o direito histórico deste núcleo habitacional”. Por isso, adiantou ao PÚBLICO, os moradores vão recorrer aos tribunais para tentar travar o avanço das máquinas. O autarca, também coordenador regional da UGT e líder do PSD/Olhão, usufrui da casa que está em nome dos pais. Ainda na área do PSD é a sogra de Alberto Almeida quem tem uma casa clandestina no Farol. Do lado dos socialistas, o antigo governador civil de Faro, alega que a casa clandestina de que é proprietário, no Farol, lhe chegou por herança dos pais.  

O deputado do PSD, Cristóvão Norte defende um “estatuto especial” para a Culatra, o principal núcleo piscatório das ilhas-barreira. Porém, nem todos os que lá possuem casa são pescadores; também há segundas habitações exclusivamente para férias. O que os sociais-democratas propõem é a revisão do POOC de forma a enquadrar legalmente a “passagem das habitações de pais para filhos, para garantir a continuidade e dinamização da comunidade”. Na zona nascente da ilha do Farol, as habitações que aí existem, embora se encontrem em situação de risco, são consideradas legais, uma vez que o espaço gerido pelo antigo Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM), actualmente pela Administração do Porto de Sines, cobra uma renda pela ocupação do areal. Não existe título de propriedade, já que há dez anos o então IPTM impôs uma cláusula contratual declarando que as licenças são “provisórias” e renovadas todos os anos. É apenas permitida a transacção da casa de pais para filhos, mas não a sua venda, como chegou a acontecer.

Entulho na areia da Ilha Deserta
Nem todas as iniciativas do programa de reordenamento do litoral, protagonizada por Carlos Pimenta foram bem-sucedidas. Em 1983/1984, na ilha Deserta, das 84 habitações que ali existiam não ficou um tijolo sobre a areia, mas a agitação do mar nas últimas duas semanas trouxe à superfície o entulho que, na altura, ali foi enterrado. Nessa época foram derrubadas duas centenas de habitações na ria Formosa, com incidência na zona nascente da ilha de Faro. A associação ambientalista Quercus defende a “continuação do projecto de restruturação e requalificação das ilhas barreira”, que está ser levado a cabo pela Polis, adiantando que está a “acompanhar atentamente as obras de retirada de edifícios e remoção de entulho”.

Durante duas dezenas de anos, muitas foram as tentativas, goradas, para dar continuidade ao trabalho de reordenamento do litoral iniciado por Carlos Pimenta. Porém, sempre que um acto eleitoral se aproxima, normalmente o assunto fica adiado. O PCP insiste no pedido de suspensão “imediata” das demolições, reclamando o reconhecimento do “ valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos das ilhas-barreira da ria Formosa”. Por seu lado, o PSD defende o programa Polis, ao mesmo tempo que destaca o pacote de investimentos anunciados e o lançamento do concurso público no valor de 14,5 milhões para a construção de uma nova ETAR Olhão/Faro, e 6,5 milhões de euros para dragagens. Em 2010, o mar galgou cerca de um terço da ilha de Faro e as estatísticas indicam que o perigo se repete em ciclos de sete anos. 

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