Norma aprovada pela câmara faz com que terreno renda menos 23 milhões

Câmara adoptou em Janeiro uma interpretação de um regulamento aprovado pela assembleia municipal, sem submeter essa interpretação aos deputados que aprovaram o regulamento.

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Preço base da hasta pública foi fixado em 137,7 milhões de euros Mara Carvalho

Se a hasta pública de venda dos terrenos da antiga Feira Popular tivesse sido feita no ano passado, a Câmara de Lisboa poderia ter encaixado cerca de 23 milhões de euros a mais do que aquilo que espera conseguir com a operação aprovada na terça-feira pela assembleia municipal.

Motivo? Em Janeiro, o executivo municipal aprovou por maioria uma norma interpretativa da fórmula de cálculo das compensações urbanísticas, devidas pelos promotores, que fixou um determinado parâmetro (o indíce de edificabilidade) em valores altamente favoráveis ao sector imobiliário e desfavoráveis ao município.

No mesmo dia foi aprovada uma outra proposta — tal como a primeira da autoria do vereador Manuel Salgado — que ia no mesmo sentido da redução das compensações a pagar, neste caso com recurso à alteração de um outro parâmetro da mesma fórmula, o chamado factor F.

Esta proposta, no entanto, acabou por orginar uma intensa polémica na assembleia municipal, visto que favorecia sobretudo os donos de alguns grandes empreendimentos imobiliários, nomeadamente o Grupo Espírito Santo, tendo o executivo sido forçado a recuar e a adoptar uma solução menos gravosa para os cofres municipais. 

Já no caso da norma interpretativa do índice de edificabilidade, o assunto não passou pela assembleia municipal, embora se trate de uma deliberação que incide sobre uma fórmula estabelecida pelo Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL), aprovado pelos deputados muncipais.

No texto da deliberação nº 8/CM/2015, aprovada com um voto contra e quatro abstenções, Manuel Salgado afirma que “na aplicação da fórmula de cálculo da compensação urbanística poderão ser suscitadas dúvidas na determinação do índice de edificabilidade aplicável”. 

As dúvidas apontadas pelo autarca prendiam-se com a eventualidade de o índice em questão poder ser entendido como o índice geral previsto no Plano Director Municipal (PDM) para a zona em causa, ou como o índice concreto autorizado na obra cujo licenciamento obriga o promotor a pagar compensações ao município.

Estas compensações em dinheiro referem-se aos valores devidos pelo licenciamento de determinadas operações urbanísticas (loteamentos ou operações de impacte semelhante), nos casos em que a câmara dispense os promotores da cedência das áreas legalmente prevista para espaços verdes e quipamentos públicos.  As áreas a ceder estão claramente previstas na lei, estabelecendo o RMUEL a fórmula utilizada para calcular a compensação, se houver dispensa da cedência de áreas.

No caso concreto dos terrenos da Feira Popular, com 42.550 m2, o programa da hasta pública prevê a construção de uma superfície de pavimento total de 143.712m2. Fazendo as contas, o índice de edificabilidade da operação é de cerca de 3,4. Uma vez que área das cedências obrigatórias, calculadas de acordo com a lei, é de 48.113 m2, a aplicação daquele índice na fórmula constante do RMUEL conduziria a compensações de cerca de 44,7 milhões de euros. O programa da hasta pública diz, contudo, que as compensações, já incluídas no preço base da hasta (137,7 milhões de euros), ascendem apenas a 21,5 milhões de euros.

O PÚBLICO questionou a câmara sobre a forma como foi encontrado este último valor e recebeu a seguinte resposta escrita: “Nos termos da deliberação 8/CM/2015, tratando-se de uma operação única de edificação em [zona de] polaridade urbana, o índice a considerar [na fórmula de cálculo] é de 1,7 e não de 3,4.”

Ou seja, foi o recurso à norma interpretativa aprovada em Janeiro sem ir à assembleia que determinou o uso do índice previsto no PDM para aquele tipo de espaço (1,7), em detrimento do índice da própria operação (3,4). Consequência: as compensações devidas pelo futuro comprador dos terrenos serão de 21,5 milhões, em vez de 44,7 milhões.

Quem vai pagar o túnel?
Para lá do valor das compensações, as plantas anexas ao programa da hasta pública permitem perceber  — embora isso não seja verbalizado em parte alguma —, que um dos argumentos de venda dos terrenos consiste na construção de 600 metros de túneis na Av. da República, entre a saída do túnel de Entrecampos e a entrada no do Campo Pequeno. 

O PÚBLICO perguntou à câmara quanto, custará, quando será feito e quem pagará esse túnel, que ajudará a resolver os problemas de tráfego originados pela futura urbanização da antiga Feira Popular, mas não obteve resposta até agora.

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