CML pode ter de devolver 45 milhões de euros do negócio do Vale de Santo António

Grupo Bernardino Gomes reclama em tribunal a devolução de uma verba adiantada à EPUL pela compra de um terreno a cuja escritura não compareceu.

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Foi em Dezembro de 2004 que foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda do terreno no Vale de Santo António Pedro Cunha

O passivo da Câmara de Lisboa, que vai ter um aumento superior a cem milhões de euros na sequência da resolução do litígio com a Bragaparques, poderá sofrer um agravamento suplementar de cerca de 45 milhões de euros, devido a um outro processo que também se arrasta há uma década: o da alienação de terrenos no Vale de Santo António. O caso já chegou ao Tribunal Cível de Lisboa.

Este processo remonta a Dezembro de 2004, mês em que a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) celebrou, com o Grupo Bernardino Gomes (GBG), um contrato-promessa de compra e venda de um lote de terreno no Vale de Santo António, junto à Avenida Mouzinho de Albuquerque. A título de antecipação de pagamento, o promitente-comprador adiantou à empresa municipal uma quantia de 44,729 milhões de euros.  

O processo foi-se arrastando e o Plano de Urbanização do Vale de Santo António acabou por entrar em vigor apenas em Janeiro de 2012. Nesse mesmo ano, em Julho, o GBG comunicou à EPUL a denúncia do contrato que tinha sido celebrado mais de sete anos antes e solicitou o reembolso do montante já entregue, no prazo de 90 dias.

Questionado sobre o seguimento que essa comunicação teve, um dos membros da comissão liquidatária daquela empresa municipal, Jorge Oliveira, transmitiu ao PÚBLICO que “a administração da EPUL à data em funções respondeu de imediato, não aceitando a resolução do contrato, com fundamento no facto de muitos dos atrasos decorrentes da conclusão do loteamento onde se inseria o lote em apreço resultarem das sucessivas alterações solicitadas pelo GBG”.

A mesma fonte acrescenta que "o GBG poderia ter resolvido o contrato logo no ano de 2006, caso o loteamento não estivesse concluído até essa data”. “E não só não o fez como, muito para além dessa data, continuou a reiterar o seu interesse na manutenção do negócio”.

Já pela parte da Câmara de Lisboa, a convicção de que esse negócio se iria concretizar parece nem sempre ter sido clara. Isso mesmo denota uma missiva de Manuel Salgado e Maria João Mendes (então vice-presidente e vereadora das Finanças), de Dezembro de 2012, dirigida ao  presidente da EPUL. Nela, os autarcas dizem que, “atendendo à eventual conjuntura do mercado imobiliário, não se vislumbra qualquer possibilidade de a EPUL prosseguir o desenvolvimento dos empreendimentos da Quinta José Pinto e Vale de Santo António, pelo que os encargos suportados até à data devem ser levados a resultados”.   

O loteamento dos terrenos do Vale de Santo António acabou por ser aprovado pela Câmara de Lisboa em Fevereiro de 2014. As duas operações em causa prevêem a construção de 970 fogos, em edifícios cujo número de pisos varia entre quatro e 17, de um centro comercial com 41 mil m2 e de dois silos automóveis, numa área com um total de 5,5 hectares.

Jorge Oliveira destaca que essa aprovação teve lugar “menos de dois anos após as últimas alterações solicitadas” pelo GBG e que  “a EPUL notificou de imediato o promitente-comprador para a realização da escritura”. Acontece que, explica o liquidatário, o GBG não só “não compareceu na escritura”, como “solicitou à EPUL a devolução em singelo - embora com juros calculados nos termos do contrato - dos valores entregues a título de antecipação do pagamento”.

Nas respostas escritas enviadas ao PÚBLICO, Jorge Oliveira afirma que a empresa “recusou-se a devolver as verbas recebidas” e acrescenta que o caso já chegou ao tribunal: “Este diferendo encontra-se, desde o início do Verão, em apreciação judicial no Tribunal Cível de Lisboa." O liquidatário diz ainda que, neste processo, o GBG “pede a devolução das quantias que entende serem-lhe devidas”, enquanto a EPUL “requer que o promitente-comprador seja condenado a realizar a escritura”.   

O PÚBLICO pediu esclarecimentos sobre este caso ao GBG, na passada terça-feira. A única resposta que chegou foi a de que o grupo “irá emitir um comunicado sobre este tema até esta sexta-feira” - o que até ao fecho desta edição não se verificou.

A EPUL está em liquidação, processo que a Câmara de Lisboa quer concluir até ao último dia deste ano. No fim de 2013, a empresa registava um resultado líquido negativo de 7,4 milhões de euros.

Em 2006, quando o município era presidido por Carmona Rodrigues, a EPUL chegou a apresentar um plano para a reconversão do Vale de Santo António que previa um investimento de 600 milhões de euros. A instalação nesta zona da cidade de uma biblioteca central e do arquivo municipal, num edifício projectado pelo arquitecto Manuel Aires Mateus, e que não passou das fundações, eram uma das apostas fortes do projecto.

 

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