Na aldeia duriense de Cabeda anda-se ao rebusco pelas vinhas afectadas pelo granizo

Há videiras praticamente sem uvas, outras estão muito estragadas e ainda há as que não amadureceram. Também as varas revelam ainda sinais do mau tempo e estão secas.

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Nelson Garrido

Os viticultores da aldeia de Cabeda, concelho de Alijó, queixam-se de uma grande quebra na produção e dizem que esta vindima se transformou numa espécie de rebusco pelas vinhas que foram afectadas pelo granizo.

Em Julho, uma hora de chuva torrencial acompanhada de granizo, provocou estragos em vinhas inseridas na Região Demarcada do Douro (RDD) e de produção de vinho do Porto. O mau tempo afectou com mais intensidade algumas aldeias dos concelhos de Sabrosa e de Alijó, no sul do distrito de Vila Real.

Numa dessas aldeias, em Cabeda, a vindima decorre por estes dias mas sem a animação e o movimento de anos anteriores.

“Não há nada, a pedra estragou tudo. O granizo estragou a maior parte das uvas e isto agora é um rebusco que se anda a fazer”, afirmou hoje à agência Lusa, Serafim Alves, 86 anos.

Os poucos trabalhadores que o produtor contratou cortam também as poucas uvas que sobreviveram até à vindima. Há videiras praticamente sem uvas, outras estão muito estragadas e ainda há as que não amadureceram. Também as varas revelam ainda sinais do mau tempo e estão secas.

O rebusco consiste numa passagem pelas vinhas depois da vindima para apanhar o fruto que foi deixado para trás.

“Estamos a aproveitar o pouquinho que há, mas é mesmo pouquinho. Costumava ter 100% e este ano tenho para aí 10% e se tiver”, salientou o octogenário.

Salvador Morais, 68 anos, ainda corta as varas das videiras para depois também “ir dar uma volta ao rebusco para as uvas não ficarem ali penduradas”. Nesta vinha colhe em média cinco a seis pipas de vinho (550 litros cada) e, este ano, “se der meia já é muito”.

O viticultor lembrou o dia de trovoada que "levou tudo" e que chegou depois de uma luta intensa contra o míldio, que este ano também afectou o Douro. “São azares da vida, foi o azeite, o vinho, foi tudo à vida. Se a gente vivesse disto morria”, afirmou.

Alzira Magalhães, 56 anos, fixa o olhar triste e cansado na vinha. Vive exclusivamente do rendimento que a terra lhe dá e este ano sofreu um duro golpe. “Quase não há uvas, há uns canganhos, foi mesmo uma calamidade”, frisou.

Está em plena vindima e não sabe se a colheita vai chegar para pagar às pessoas que traz a trabalhar. “Vamos ver, vamos ver, mas também é pecado deixar os bagos na videira, assim nos dizem os antigos”, salientou.

Já teve vindimas de colher 250 pipas de vinho e, este ano, espera que dê, pelo menos, “para preencher o benefício” que lhe foi atribuído, ou seja a quantidade de uvas que pode destinar à produção de vinho do Porto.

“Primeiro foi o míldio, deitamos seis voltas de sulfate, os produtos caríssimos, e ao fim, quando as uvas já estavam praticamente vencidas, com os trabalhos todos feitos, desaparece tudo. Foi muito prejuízo”, referiu.

Também os trabalhadores agrícolas se juntam às queixas que, nesta vindima, têm menos dias de trabalho.

“Já demos 17 dias neste patrão e este ano em quatro dias vamos fazer tudo”, referiu Maria de Fátima, de 50 anos, que vindima mais à frente e que costuma aproveitar esta altura do ano para ganhar um dinheiro extra e ajudar, por exemplo, a pagar os livros dos filhos.

A maior parte dos viticultores afectados não possui seguros de colheita e a ajuda que receberam foi dada pela Câmara de Alijó, que se comprometeu a pagar o cálcio, produto usado para cicatrizar as videiras afectadas pelo granizo.

A Câmara e a Junta de Vilar de Maçada, na qual Cabeda está inserida, fizeram ainda a reparação dos caminhos públicos que ficaram danificados.

Depois de dar uma volta pela aldeia, o presidente da junta, Fernando Gerardo, fala num cenário devastador e de prejuízos enormes para as famílias, muitas das quais têm na vinha a sua principal fonte de rendimento.

“Há casos de 100% de prejuízo. Agora andam a fazer um pequeno rebusco porque há muita uva estragada”, afirmou o autarca, que contabilizou entre cerca de 400 a 500 hectares de área atingida pelo mau tempo só nesta aldeia.

Fernando Gerardo defendeu que estes viticultores precisam “mesmo de ajuda” porque a vinha é o seu “ganha-pão”.

O Douro poderá produzir nesta vindima entre as 192 mil a 211 mil pipas de vinhos, prevendo-se uma quebra que poderá rondar os 30% devido aos ataques de míldio e ao granizo.

O míldio da videira é um fungo que pode infectar todos os órgãos verdes da planta - folhas, cachos e pâmpanos.

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