Mulher vive em situação de pobreza extrema no concelho da Moita

Vive em casa sem água, electricidade ou saneamento básico e toma banho no fontanário público. Vizinhos suspeitam de incapacidade psíquica e dizem que ela não aceita ajuda se para isso tiver de deixar a casa.

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Fotos Daniel Rocha
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Os moradores da Rua Nova de Fátima, nas Arroteias, concelho da Moita estão indignados com as condições em que vive uma mulher, de 56 anos, residente no bairro há décadas e que os vizinhos suspeitam sofrer de incapacidade psíquica.

“A mulher vive em condições desumanas”, afirma António Mochila, mecânico de automóveis residente na mesma rua, e um dos vizinhos que diz duvidar da saúde mental de Licinia Neves. 
“Eu já lhe perguntei: não estás doida ou maluca? E ela responde-me que não, que está bem e que só não tem condições para viver melhor”, relata.

Eduardo Guerreiro, um outro morador deste bairro — situado a meio caminho entre a Moita e Alhos Vedros, mesmo em frente a Lisboa,  do lado de lá do estuário do Tejo —também se aventura a diagnosticar males graves, do foro psíquico, à vizinha. Licínia Neves habita numa casa sem electricidade, água ou saneamento básico, e também sem portas e janelas, com lixo amontoado pelo chão, e com um cheiro fétido e intenso.

Faz as necessidades fisiológicas na rua, muitas vezes junto ao contentor do lixo que fixa próximo da habitação. O banho toma-o ao ar livre, no fontanário público do outro lado da mesma rua. “Enrola-se numa toalha e toma banho, nua, aqui na rua”, relata Manuel Costa, morador na casa que fica junto ao fontanário. 

A habitação ficou completamente privada de mobiliário, assim como de portas e janelas, devido a um incêndio que quase arrasou o imóvel, há cerca de oito anos. Dai para cá só a porta da rua foi substituída, pelos vizinhos,  mas está permanentemente aberta, tanto a pessoas como a animais. Os cães, gatos e ratos entram quando querem e estes últimos são já uma praga.

“Há duas semanas matei aqui oito ratazanas”, conta Manuel Costa, que acrescenta ter sido obrigado a “isolar o galinheiro para os ratos não matarem a criação” que tem no quintal.
Daniel Pestana, morador na casa ao lado, sublinha que a situação é “mais chata agora no Verão, por causa do cheiro nauseabundo e dos ratos que vivem no seu lote e circulam aqui à volta”.  

O quintal confirma-o. Dominado por uma densa vegetação, de silvado, trepadeiras e árvores, o espaço parece uma selva cerrada, onde é impossível a entrada de pessoas.  

A mulher vive sozinha há cerca de 30 anos, na casa onde já residia com os pais quando era mais nova. Tem filhos mas não se relaciona com eles. Segundo os vizinhos, nunca teve emprego conhecido e a relação com a família foi sempre distante.

Agora, com 56 anos, Licínia Neves vive do Rendimento Social de Inserção (RSI) e de restos de alimentos que lhe dão ou que apanha no lixo.

“Recebo 178 euros. Isso dá para quê?”, disse Licínia Neves as PÚBLICO. 

A situação é conhecida das instituições locais, tanto da Segurança Social como da Câmara Municipal da Moita e da Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros. A Segurança Social atribuiu-lhe o Rendimento Social de Inserção, ajuda para a compra de medicamentos e, através da sua delegação no Barreiro, tem acompanhado o caso. O problema, afirmam os vizinhos, é que a própria não quer ajuda que a obrigue a deixar a sua casa.

“Gosto de estar aqui, que é onde vivo há 50 anos”, diz, acrescentando que “gostava mesmo” era que a ajudassem a reabilitar a casa.

No ano passado sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), esteve internada no Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, e fez a reabilitação na União Mutualista, uma Instituição Particular de Solidariedade Social do Montijo, mas, logo que se achou capaz regressou a casa.

Questionada pelo PÚBLICO, a Câmara Municipal da Moita respondeu, por escrito, que tem acompanhado e continua a acompanhar a situação da munícipe.

“A câmara tem conhecimento do caso em apreço, sendo que, na medida das suas competências e por via das parcerias estabelecidas no terreno, está a par do acompanhamento dado à situação por parte das entidades competentes, como a Segurança Social, no âmbito do RSI, as forças de segurança e os serviços de saúde, que em conjunto têm vindo a articular uma intervenção junto da munícipe”, refere a nota.

Na mesma resposta, a autarquia informa que “inclusivamente, a Câmara da Moita, no âmbito do projecto Eco Lar, desenvolvido em parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros, já efectuou uma intervenção nessa habitação”.

Uma intervenção confirmada pelos vizinhos, nomeadamente por Eduardo Guerreiro, que diz ter sido ele quem alertou os serviços municipais. Segundo os moradores, nesse dia, as viaturas municipais retiraram centenas de quilos de lixo do interior da casa e deixaram o espaço limpo. 

O problema é que essa limpeza foi há cerca de cinco anos e a habitação já está a precisar de outra há muito tempo, comentam.

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