Misericórdia não identifica projectos que “já iniciaram actividade”

Santa Casa desmente o PÚBLICO, mas recusa-se a dizer que iniciativas de criação de emprego foram concretizadas. Participantes no programa UAW criticam a forma como ele foi conduzido.

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A Misericórdia de Lisboa recusou-se esta quarta-feira a dizer quais são os projectos da sua iniciativa United At Work (UAW) que já iniciaram a sua actividade. Numa notícia publicada no sábado acerca deste programa de promoção do empreendedorismo intergeracional concluído em Julho, o PÚBLICO referiu o facto de três meses depois do final da formação, que custou cerca de um milhão de euros, não haver qualquer empresa, ou emprego criado. 

Foi esta ideia que a SCML pretendeu desmentir numa página de publicidade garantindo que “vários projectos já iniciaram actividade”. Solicitada a identificar esses projectos, a instituição respondeu apenas: “a SCML não tem qualquer comentário a fazer.”

Novos contactos efectuados esta quarta-feira permitiram entretanto concluir que os dois projectos a que, segundo alguns participantes na iniciativa, se poderia referir o desmentido da Misericórdia também não deram ainda origem a qualquer actividade económica. Os promotores de ambos frisaram aliás ao PÚBLICO que mantêm os seus projectos, mas sem os terem ainda conseguido concretizar e não tendo obtido para eles qualquer apoio da SCML.

João Estrela, um dos membros da equipa de arquitectos que desenvolveu o projecto MAU, Manobras de Activação Urbana, relacionado com o desenvolvimento de um conceito inovador na área da reabilitação urbana, diz que estão ainda a decorrer “duas negociações”, uma delas sobre financiamento, das quais depende a concretização do projecto e a criação de uma empresa. Em nome da equipa MAU, João Estrela reconhece que o UAW lhe facultou “a aprendizagem de um conjunto de ferramentas e de conhecimentos” que permitiu o desenvolvimento da ideia.

Mas acrescenta: “Ao UAW não se deve nada mais do que isso, nem uma análise crítica do nosso modelo de financiamento, nem uma leitura do nosso plano de negócios. Não houve qualquer forma de apoio, por exemplo junto dos parceiros financeiros do Banco de Inovação Social [criado pela SCML]. Teria bastado que proporcionassem uma reunião com os interlocutores nessas instituições para, pelo menos, permitir uma aproximação diferente da mera entrada num balcão que foi o que teve de acontecer”, afirma.

No mesmo sentido pronuncia-se Mónica Neto, uma jovem que está a tentar, agora com o apoio de outras entidades ligadas à promoção do empreendedorismo, pôr de pé a Dlast, uma plataforma electrónica de divulgação de espectáculos e de actividades culturais, que idealizou no UAW. “O projecto não está criado, está em desenvolvimento, não temos empresa, não temos emprego”, resumiu. “O programa deu-nos algumas bases nos primeiros três meses. O resto [quase um ano] foi um pouco perder tempo.”

Mónica Neto afirma que nunca lhe foi dito que haveria apoio financeiro da SCML, mas diz que sempre pensou, tal como os seus colegas, que com os 850 mil euros do financiamento da União Europeia alguma coisa se haveria de arranjar.

Num texto assinado no ano passado pela então directora do Departamento de Empreendedorismo da SCML pode ler-se, no entanto, que o UAW oferecia aos participantes, 200 no início, “o espaço, os formadores, a organização, a identificação de oportunidades, a capacitação, a incubação, novos instrumentos de financiamento...”

Mesmo antes de constatarem que esta implícita ajuda nunca existiria, 16 dos formandos deixaram bem clara a sua frustração numa troca de emails, uma entre várias, que um deles facultou ao PÚBLICO. “Este UAW foram até agora só falsas promessas! Eu pessoalmente sinto-me enganado pelo promotor deste programa  que prometeu que este seria uma forma de criação de auto-emprego, para o qual seria criado um fundo para apoio às empresas (...) Haveria advogados, designers, contabilistas, tudo para nos apoiar. Depois da fase de Team Building em que através das empresas que promoveram acções de formação, com a excelente coordenação da Beta i, tudo isto passou a ser um deserto”, escreve um deles.

“Sempre fomos o fim (que não o meio) para eles atingirem os seus fins”, responde um colega. “As falhas da organização em relação aos compromissos assumidos para connosco têm sido demasiadas”, salienta outra.

“Falta tudo, não há condições de habitabilidade do edifício [onde decorria a formação], nem uma impressora temos, ou um telefone institucional. Não existe internet a maior parte dos dias, não há apoios técnicos etc. Nós também aguardamos há um mês e meio por uma reunião com o Dr. Carneiro Jacinto [um dos três directores da SCML que se sucederam na direcção do UAW]”, desabafou mais um participante.

“Um projecto que tinha como fundamento mudar a vida de todos nós revelou-se um fracasso”, rematou a última das intervenientes na conversa.

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