Ministério Público acusa 13 autarcas da região de Aveiro por prevaricação

Em causa está um contrato publicitário celebrado pela Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro com o Beira-Mar.

Foto
Ministério Público entende estar em causa um apoio encapotado ao futebol profissional Sérgio Azenha/Arquivo

O Ministério Público deduziu acusação contra 13 autarcas da região de Aveiro, incluindo nove presidentes de câmara, pelos crimes de prevaricação, abuso de poderes e violação de normas de execução orçamental, que podem implicar a perda de mandato. Os autarcas insistem que nada fizeram de ilegal.

O despacho de acusação, a que a Lusa teve acesso nesta quinta-feira, resulta de um inquérito relacionado com a atribuição de um apoio publicitário ao Beira-Mar no valor de 38 mil euros para as épocas 2011/2012 e 2012/2013, por parte da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA), liderada pelo presidente da Câmara de Ílhavo, Ribau Esteves.

O advogado Dário Matos, que defende a maioria dos arguidos, já revelou que vai requerer a abertura de instrução, na tentativa de evitar a ida do caso a julgamento.

Além do autarca de Ílhavo, a acusação abrange mais oito presidentes de câmara: José Eduardo Matos (Estarreja), Rui Cruz (Vagos), João Agostinho (Albergaria-a-Velha), Joaquim Baptista (Murtosa), Mário João Oliveira (Oliveira do Bairro), Gil Nadais (Águeda), Manuel Soares (Sever do Vouga) e Manuel Alves Oliveira (Ovar).

Entre os arguidos estão ainda o ex-presidente da Câmara da Murtosa, Santos Sousa, que actualmente ocupa o cargo de director de Segurança Social do Centro Distrital de Aveiro, e os vereadores Pedro Ferreira, da Câmara de Aveiro, Silvério Regalado, da Câmara de Vagos, e Jorge Eduardo Sampaio, da Câmara de Anadia.

No despacho de acusação, o Ministério Público (MP) diz que a aquisição de serviços por parte da CIRA foi a forma encontrada para contornar a proibição legal de conceder apoios financeiros a clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional. Segundo o MP, os arguidos agiram de forma livre e com o propósito de beneficiar ilegitimamente o clube, mediante a celebração destes contratos, prejudicando o Estado e afectando a confiança dos cidadãos nas instituições públicas.

Os autarcas já foram notificados da acusação deduzida pelo MP, que decidiu também arquivar o processo relativamente ao vice-presidente da Câmara de Aveiro, Carlos Santos. Neste caso, o MP entendeu que não era possível determinar se o arguido tinha efectivamente conhecimento do teor do protocolo no momento da sua deliberação.

Entre as testemunhas arroladas pelo MP estão o presidente da Câmara de Aveiro, Élio Maia, e o presidente do Beira-Mar, António Regala.

Este caso foi desencadeado com uma queixa apresentada em Outubro passado pelos deputados do PS na Assembleia Municipal de Estarreja Pedro Vaz e Hugo Oliveira, que consideravam ilegal a atribuição deste apoio ao clube aveirense.

O protocolo assinado com o Beira-Mar previa a entrega à CIRA de 19 lugares em camarote "prestige" no Estádio Municipal de Aveiro e lugares de estacionamento em zona VIP, além de bilhetes de bancada para os jogos da I Liga de futebol. A CIRA teria ainda direito a utilizar os suportes publicitários do clube para a divulgação da sua imagem e produtos, mas esta entidade nunca fez uso do espaço que lhe estava destinado no varandim do camarote e dos painéis multimédia activos durante os jogos.

Aquando da assinatura dos protocolos, a CIRA justificou o investimento dizendo tratar-se de um "contributo financeiro com grande importância institucional", com a pretensão de ver o Beira-Mar cada vez mais como "o clube desportivo de referência da região de Aveiro, no que respeita ao mais alto nível da competição nacional de futebol de onze".

Como o PÚBLICO noticiou na altura, as sedes da CIRA e Beira-Mar foral alvo de buscas no início de Maio deste ano por parte de elementos do Ministério Público. Então, o presidente da CIRA e da Câmara de Ílhavo, o social-democrata Ribau Esteves, que é agora candidato à presidência da Câmara de Aveiro, declarou-se tranquilo quanto ao desfecho da investigação, reiterando que os protocolos assinados com o clube de futebol eram legais.

"Estamos tranquilos quanto à legalidade dos contratos de apoio que fizemos com o Beira-Mar", sublinhou Ribau Esteves ao PÚBLICO, lembrando que estes protocolos resultaram de "duas decisões aprovadas por unanimidade no conselho executivo da CIRA".

Também ouvido pelo PÚBLICO na mesma altura, Pedro Vaz, um dos dois deputados municipais de Estarreja eleitos pelo PS que denunciaram o caso ao MP, afirmou:  "A lei proíbe, e bem, que o desporto profissional receba financiamento de entidades públicas". "E mesmo que [o contrato em causa] não seja ilegal, num contexto de crise como o que vivemos, ter uma entidade pública a comprar camarotes para ver jogos de futebol, não é correcto", acrescentou.

Convidado nesta quinta-feira a comentar a decisão do MP de deduzir acusações aos autarcas da CIRA que aprovaram este contrato, Pedro Vaz disse ter recebido esta notícia "com a mesma tranquilidade e serenidade com que denunciou a situação". 

"Volto a lembrar que, em 2011, quando eu referi que este subsídio não podia ser atribuído, a resposta do presidente da Câmara de Estarreja e também a do presidente da CIRA foram sobranceiras. Agora, veio a resposta", declarou o deputado municipal, que diz apenas esperar que a Justiça siga "o seu percurso normal".

Ao final da tarde, o presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA), Ribau Esteves, reiterou a legalidade da atribuição do apoio publicitário ao Beira-Mar. “Nós comprámos um veículo de publicidade à nossa região. Estamos a falar de uma operação publicitária de muito pequena dimensão. Só haveria preocupações de contornar a lei se estivéssemos a falar de operações de grande dimensão”, afirmou Ribau Esteves.

O também presidente da Câmara de Ílhavo confirmou ainda que os autarcas irão requerer a abertura de instrução, adiantando que o assunto vai ser discutido no Conselho Executivo da CIRA, que terá lugar na próxima segunda-feira.
“A minha proposta é essa e a opinião de todos é a de apresentarmos a nossa defesa em sede de instrução do processo”, declarou Ribau Esteves, acrescentando: “lutaremos até ao fim pela razão que entendemos que nos assiste”.

Notícia actualizada: acrescenta-se reacção do presidente da CIRA, Ribau Esteves
 

Sugerir correcção
Comentar