Ministério da Agricultura não desiste de afastar rendeiros da Herdade dos Machados

Secretário de Estado considera que os contratos celebrados em 1982 perderam validade para quem adquiriu “voluntariamente a qualidade de reformado”, não podendo ser renovados.

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Ministério quer afastar rendeiros reformados

Rendeiros da Herdade dos Machados, no concelho de Moura, estão novamente sob a ameaça de terem de abandonar as courelas que receberam das mãos de Sá Carneiro em 1980, quando o antigo primeiro-ministro procurou implementar o seu modelo de reforma agrária.

Num despacho datado de Junho passado, a Direcção Regional de Agricultura do Alentejo informou 15 desses rendeiros que “é intenção do secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, resolver o contrato de arrendamento” que celebraram com o Estado português para a exploração das courelas na Herdade dos Machados, em 1 de Agosto de 1982.

Esta orientação significa que os rendeiros reformados têm de abandonar as terras até ao final do ano agrícola em curso (31 de Outubro) por terem adquirido “voluntariamente a qualidade de reformados“.

A tutela justifica esta decisão com o decreto-lei 158/91, nos termos do qual “não podem ser beneficiários de entrega [de terrenos] para exploração quaisquer funcionários ou agentes do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, nem reformados, nem detentores de dívidas ao Estado”.

João Ramos, deputado do PCP na Assembleia da República, já pediu esclarecimentos à ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas, sobre o fundamento que foi apresentado para afastar os rendeiros da Herdade dos Machados.
A lei refere que os reformados não podem ser beneficiários da entrega de terrenos na posse do Estado para exploração, mas o Govern, diz o deputado, pretende “aplicar este preceito a rendeiros que se tornaram beneficiários quando ainda não eram reformados”.

João Ramos afirma que a tutela “tenta abusivamente aplicar uma norma que se refere à entrega e estendê-la à manutenção da exploração”. O deputado comunista questionou igualmente a ministra sobre “a recusa” dos serviços em transmitir o arrendamento a descendentes “ainda em vida” do arrendatário. Francisco Farinho, 69 anos, um dos rendeiros a quem Sá Carneiro atribuiu parcelas de terra na Herdade dos Machados, para criar gado, confirma que o ministério “não transfere em vida o arrendamento de pais para filhos”.

O rendeiro critica também esses aspecto do despacho do secretário de Estado, lembrando que os visados “têm reformas muito baixas, entre os 200 e os 300 euros” e que necessitam da colaboração dos filhos para fazer produzir as explorações. A transmissão do arrendamento só é possível com a morte do pai, confirma Francisco Farinho.

A manter-se a decisão do secretário de Estado no que respeita ao fim dos contratos com os reformados, “o caso acaba no Tribunal”, diz este rendeiro, acrescentando que, de acordo com a lei, “o Estado pode denunciar o contrato para o fim do período contratual, mediante comunicação à empresa concessionária com a antecedência mínima de 18 meses”. Ora os rendeiros foram informados em Junho passado.

Por outro lado, o Estado por rescindir o contrato sem obrigação de indemnizar nos “casos em que as entidades explorantes tenham abandonado total ou parcialmente os respectivos estabelecimentos agrícolas, ou tenham cedido a outrem a sua exploração, ou se achem em situação de inviabilidade ou insolvência económica”.

Num levantamento feito pelo deputado comunista, em 2013 havia 53 rendeiros na Herdade dos Machados, com idades compreendidas entre os 34 e os 89 anos. Destes, 44 não desenvolviam outra actividade para além da agricultura. E apenas num caso os serviços do ministério fizeram reparos quanto à forma de exploração das parcelas. Em todos os outros é referido que os lotes (foram distribuídos, em média 38 hectares por rendeiro) são explorados de forma viável.

No total estão entregues por arrendamento 2019 hectares, pelo que, tendo a herdade cerca de 6100 hectares, “são hoje explorados pelos antigos proprietários mais de 4000 hectares” conclui João Ramos.

Em 1980, o então primeiro-ministro Sá Carneiro dividiu a Herdade dos Machados em 200 parcelas para as distribuir por cerca de uma centena de trabalhadores que ali prestavam serviço desde que a herdade foi nacionalizada em 1975.

PGR diz que os contratos se mantêm
O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República considera, num parecer emitido no ano passado, que se mantêm “inalterados” os direitos dos arrendatários da Herdade dos Machados. 

O Conselho salienta que a Casa Agrícola Santos Jorge (a empresa proprietária de 4000 hectares da Herdade dos Machados que reclama a devolução de cerca de 2000 hectares atribuídos aos rendeiros por Sá Carneiro) “não tem direito à entrega dos terrenos referidos” enquanto os contratos  de arrendamento “subsistirem em vigor”. 

O parecer foi emitido a pedido do Ministério da Agricultura e prendia-se com a validade de um despacho governamental de 2003 que pôs fim aos contratos de arrendamento e que foi depois anulado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja. De acordo com o documento o “Estado/Administração está proibido de praticar qualquer acto incompatível com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja”.  

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