Lisboa reduziu para menos de metade investimento na reparação de buracos

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São várias as artérias da cidade a necessitar de reparações urgentes Pedro Maia

Após dois anos em que foram investidos consecutivamente mais de seis milhões euros na reparação de pavimentos, a câmara lisboeta estima gastar três milhões de euros nas obras previstas.

Lisboa, a cidade das colinas, arrisca-se a ficar também conhecida como a capital dos buracos. Exagero? "Na subida para o castelo parece que o carro se parte todo", comenta um motorista, na praça de táxis junto ao Hotel Sheraton, quando transporta turistas para o monumento transformado num dos principais miradouros lisboetas. A autarquia garante que vai prosseguir com a reparação de pavimentos, estimando investir cerca de três milhões de euros, menos de metade do que foi gasto em anos anteriores.

"Eram precisos cinco anos para pôr toda a rede viária da cidade em ordem", assume Fernando Nunes da Silva, vereador da Mobilidade na Câmara de Lisboa, contabilizando em sete milhões de euros o investimento anual necessário para cumprir aquele objectivo. Seriam assim precisos 35 milhões de euros para, em metade de uma década, reparar os pavimentos degradados da capital. Segundo um balanço que o autarca independente apresentou em Janeiro de 2011, foram investidos 6,7 milhões de euros em 2010, em 180 arruamentos e numa área total de 270 mil metros quadrados. No ano anterior, gastara-se 6,3 milhões com 210 vias e em 95 mil m2. O então director municipal de Projectos e Obras, José Silva Ferreira, justificou como um acréscimo de 400 mil euros permitiu quase triplicar a área reparada: "Foi possível planear, o que levou a gastar menos dinheiro em mais área. Sai mais barato e permite fazer muito mais." A previsão de investimento para 2011 apontava para 7,5 milhões de euros em 200 arruamentos e uma área total de 275 mil m2. Entre as intervenções programadas estavam a repavimentação da Av. Defensores de Chaves (por fazer), bem como a reconstrução da Rua Lopes e da Calçada do Alto Varejão. Estas duas últimas artérias, de acordo com o Departamento de Marca e Comunicação da autarquia, ainda estão entre as obras "previstas" para levar a cabo. Na Rua do Lumiar a "repavimentação em cubos" avançou, já o empedrado de parte da Maria Pia espera por melhores dias.

O presidente da câmara, António Costa, em informação escrita à assembleia municipal, revelou que, entre o início de Dezembro de 2011 e meados de Fevereiro de 2012, foram intervencionados através de "meios próprios" do município 72 arruamentos, num total de 560 m2. Em empreitadas de conservação "foram efectuadas recargas de pavimento betuminoso na Rua Maria Pia e na Av. de Brasília, totalizando 9000 m2 de área pavimentada". O valor destas intervenções não foi então revelado.

O Departamento de Comunicação respondeu que serão gastos nas próximas obras "cerca de três milhões de euros, dos quais 2,5 milhões de euros são de financiamento QREN". Mas basta percorrer a Av. de Brasília, entre o caminho-de-ferro e o Tejo, para se perceber que só parte teve direito a asfalto. Muitas crateras foram tapadas, mas próximo do Museu da Electricidade a via junto ao passeio exibe o alcatrão deformado e com lacunas que só o tempo seco evitará que se transformem em armadilhas para viaturas e "banho" forçado para peões.

A qualidade das massas

Mais à frente, na Ribeira das Naus, os cubos já estão desnivelados. "Choveu na altura em que se estava a fazer o pavimento junto ao rio", esclarece o vereador Fernando Nunes da Silva, acrescentando que, por esse motivo, os paralelepípedos não ficaram devidamente assentes. O mesmo problema se aplica aos pavimentos em asfalto, que muitas vezes recebem logo as massas betuminosas sem se deixar secar a camada exposta às intempéries. Será, como se costuma gracejar, que por cá o alcatrão se dilui com a água? O autarca recusa que exista falta de qualidade das massas utilizadas e reforça que "basta uma pequena deficiência num pavimento novo para que o tempo se encarregue de abrir um buraco".

"É um perigo para as pessoas que passam aí de moto", desabafa Mário Almeida, 32 anos, empregado num restaurante na Rua da Alfândega. "Só pensaram na parte estética", reclama, por seu lado, o proprietário de uma garagem no Campo das Cebolas, que não cala críticas aos efeitos das obras na Praça do Comércio: "É vergonhoso fazer uma obra no Terreiro do Paço tão bonita, mas ter só uma via para cada lado, e empurrar o trânsito para ruas todas esburacadas."

O empresário, que pede para não ser identificado, por questões que tem por resolver com a câmara, admite que "de vez em quanto entram a pedir ajuda, porque caíram num buraco e ficaram com as jantes todas estragadas". E avisa que, "com chuva, é preciso ter muito mais cuidado porque não se vêem os buracos".

Casa dos... buracos

Nas proximidades da Garage Ribeira Velha, o empedrado há muito que deixou de estar nivelado e os carris de linhas do eléctrico sem préstimo cruzam-se no pavimento esburacado, semeado de pequenas ilhotas de alcatrão, diluído pelo (mau) tempo, que se transformam em inesperadas muralhas a vencer pelas suspensões de automóveis e motociclos.

Num restaurante à vista da Casa dos Bicos, Anabela Praia, 34 anos, conta que desde 2004 nunca viu por ali pavimento novo. E sobre o cenário em frente à casa cedida pelo município à Fundação José Saramago, para acolher a obra do escritor, ironiza: "Os turistas quando aqui vêm podem admirar os bicos na parede e os buracos na estrada."

A comerciante lamenta o aumento do trânsito provocado pela obra de remodelação do Terreiro do Paço, mas encontra um aspecto positivo nos congestionamentos e no estado degradado da via, uma vez que assim "não dá para andar depressa"... Devagar, muito devagarinho também é a atitude recomendada quando se percorre a ligação da Baixa ao Castelo de S. Jorge. Da Igreja da Madalena à Sé de Lisboa, prosseguindo pela Rua Augusto Rosa até ao miradouro da Cerca Moura, os cubos em ondas alternam com falhas de asfalto na junção dos carris do eléctrico, talvez por isso o meio mais para cómodo para se fazer este trajecto.

No Rossio, o volume de tráfego sobre o empedrado deixa marcas que se prolongam ao asfalto da Avenida da Liberdade. Para um taxista, a faixa bus é de evitar. "É melhor ir na via do meio, porque senão levamos os turistas aos saltos dentro do táxi", sublinha o motorista, apontando como outras artérias a precisar de atenção a Luciano Cordeiro, a Av. Lusíada e a Duque de Loulé.

A Rua D. Pedro V foi recentemente repavimentada, mas o seu prolongamento até ao Largo de S. Roque, no topo do elevador da Glória, continua à espera de remédio para o pavimento irregular. Na Duque de Ávila, o quiosque de João Matias, 62 anos, foi deslocado provisoriamente para permitir as obras. Agora olha para a parte da rua remodelada, mas permanece do lado com buracos, na faixa de rodagem e no passeio. E, enquanto aponta o contraste entre as duas pontas da avenida, junto ao Arco do Cego, salienta que se trata de "uma via que é uma ligação de uma ponta à outra da cidade".

Em caso de danos provocados pela degradação do pavimento, a câmara pode ser demandada a pagar os prejuízos. Em 2008, a autarquia lisboeta recebeu 350 pedidos de indemnização, através de seguradoras ou por via judicial, acabando por ser obrigada a pagar cerca de metade, correspondente a um montante não revelado. O Departamento de Comunicação revelou ao PÚBLICO que, "dos 352 processos interpostos em 2010, os que justificaram o pagamento de indemnizações totalizaram até à data 33.343,00 euros". Quanto à centena de buracos tapados pela Tesa em 2010, Nunes da Silva reconhece que teria apreciado que a empresa "tivesse contribuído para suportar alguns dos custos com a reparação de pavimentos", mas que se tratou "apenas de uma campanha publicitária".

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