Lavadouro das Francesinhas vai ser renovado enquanto não fecha de vez

Histórico lavadouro no bairro lisboeta da Madragoa vai dar lugar a um centro social. Mas enquanto não há verba para as obras, a Junta de Freguesia da Estrela quer animar o espaço.

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João Cordeiro
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Há cinco anos que o destino do lavadouro público das Francesinhas, no bairro lisboeta da Madragoa, está traçado. Os tanques vão dar lugar a uma creche, jardim-de-infância, centro de dia e parque de estacionamento. Mas enquanto não há dinheiro para as obras, a cargo da Assistência Paroquial de Santos-o-Velho, a Junta de Freguesia da Estrela quer requalificar o espaço e promover iniciativas que devolvam ao lavadouro a dignidade que já teve.

O objectivo é requalificar a casa de apoio, que está a cair de podre, limpar e encher de água os 12 tanques, iluminá-los (mantendo em funcionamento os três que hoje ainda servem para lavar roupa e tapetes), e limpar o pátio no piso inferior onde existe uma espécie de quintal abandonado, com vista para o casario e para o rio Tejo. As obras começam esta semana e em Maio o espaço deverá estar já de cara lavada.

“Queremos dinamizar o local com actividades culturais e criar espaço para montar tendas de comes e bebes”, afirma Luís Newton. A intervenção, que representa um encargo “muito reduzido” para a junta, vai devolver ao lavadouro a animação de outros tempos, quando os cordões mal chegavam para estender a roupa dos fregueses.

Construído em 1876 no terreno onde antes existia o Convento das Francesinhas, do qual herdou o nome, o lavadouro tem definhado nas últimas décadas. Em 2009, a Câmara de Lisboa, proprietária, cedeu o espaço à Assistência Paroquial de Santos-o-Velho por 50 anos para a construção de um centro social. O encerramento do lavadouro foi anunciado em 2011 mas até agora nada aconteceu.

O PÚBLICO contactou, sem sucesso, a Assistência Paroquial de Santos-o-Velho para saber quando é que as obras poderão arrancar. Embora não tenha qualquer responsabilidade no projecto, Luís Newton adianta que “está tudo dependente de conseguir o financiamento total da obra”. Não há, segundo o autarca, qualquer previsão para o início dos trabalhos.

O presidente da junta afirma que o novo centro social será “uma infra-estrutura de grande importância” para a freguesia, mas não esconde que preferia manter o lavadouro aberto à população. “É um dos últimos na cidade com aqueles tanques antigos e faz parte da identidade da Madragoa”, justifica.

As poucas lavadeiras que restam no bairro (não há um número certo, serão cinco ou seis) não acreditam na construção do centro social. “Há anos que falam das obras...”, responde Olívia Santos, figura franzina e mãos calejadas, vestida de preto dos pés à cabeça. Com 91 anos, é provavelmente a lavadeira mais antiga de Lisboa. Conhece todos os cantos à casa, que frequenta desde criança. Começou a trabalhar ali há 70 anos, grávida da filha mais velha. Antes trabalhava numa oficina de alfaiate mas o marido adoeceu, ela começou a faltar ao trabalho. “Tive que me sujeitar…lavava casas aqui e ali, até que me habituei ao tanque”, conta.

Naquele tempo, antes do 25 de Abril, quase não havia tanques que chegassem para tanta roupa. “Pagava-se para tudo: lavar, usar o alguidar, estender", recorda. "Depois apareceram as máquinas", afirma, enquanto encolhe os ombros. Olívia não tem máquina em casa. “Não tenho espaço, mas se tivesse também não comprava”, garante. A filha é que não gosta da ideia. “Assim saio de casa, venho de manhã, estou aqui um bocado”, argumenta. Diz que lhe custa "agarrar nas roupas pequeninas" mas ainda vai lavando, com o sabão azul. "O segredo não está no detergente, está nas mãos", garante. Quando não tem nada para fazer, lê.

Manuela Abreu – todos a conhecem por Manuela do Porto, cidade de onde é natural - faz companhia a Olívia. Não pode fazer muito mais: foi atropelada há poucos meses e faltam-lhe agora as forças para lavar no tanque. Durante cinco anos, foi ela que abriu o portão do lavadouro, cinco dias por semana, às nove da manhã, para o voltar a fechar às quatro da tarde. Passou a pasta ao filho, Álvaro Monteiro, 58 anos, um dos poucos “lavadeiros”. “Sou eu, às vezes vem aí um rapaz, mais uma senhora que mora na Amadora”, enumera. Agora, o lavadouro fecha às 14h mas a junta de freguesia quer manter o espaço aberto até às 22h no Verão.

Com o passar do tempo, mudaram os fregueses e a roupa para lavar. Agora, são as embaixadas – só na freguesia da Estrela há cerca de duas dezenas – que entregam tapetes e carpetes. Álvaro Monteiro não demorou a aprender a técnica: “Estendo na beira do tanque, esfrego de um lado e do outro, e estendo do avesso para o sol não ‘comer’ a cor.” A carpete vermelha pendurada na vedação está quase pronta. “Demora quatro dias a secar se estiver tempo bom”, explica. Lavar uma carpete de grandes dimensões (cinco por três metros, por exemplo) custa 140 euros.

No bordo dos tanques vazios há pequenos montes cobertos por farrapos, presos com pedras da calçada. Os gatos que Álvaro alimenta religiosamente aproveitam a cama fácil. "São roupas que os fregueses mandaram lavar mas nunca vieram buscar", explica Olívia Santos. Não sabe que destino lhes dará. Deixa a decisão para quem tomar conta do espaço.

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