Jovens montam empresa para cumprir sonhos de crianças com cancro

A uDream é a primeira empresa júnior social do país e, através de um sistema baseado em contrapartidas, pretende revolucionar a forma de fazer voluntariado.

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Daniel ROcha

O Luís tem 15 anos e, como a idade ordena, um conjunto de sonhos. A bola vive em grande parte deles. De quando em vez, também vêm os pesadelos. Como um jogador que vê a bola fugir entre as pernas, Luís soube que tinha um cancro no fígado. Isolou-se algum tempo, até que a bola parou a seus pés e, depois de uma grande jogada, fez o seu golo. A doença sumiu.

Os sonhos voltaram a ser mais do que os pesadelos. Num deles, os Super Dragões e o seu jogador favorito, Ricardo Quaresma, batiam-lhe à porta. Desse não teve de acordar - era real. É íntima, tal como diz o poema de Gedeão, a relação entre os sonhos e a vida. Esse é o mote da uDream. Fundada há oito meses na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, a empresa “tem como missão acompanhar crianças de saúde débil e realizar os seus sonhos”, como explica Daniel Proença, director geral externo e membro da equipa de fundadores.

Os sonhos são a matéria-prima da empresa. Mas não uma matéria transaccionável. A criança é acompanhada, normalmente num período de três meses, para que seja possível descobrir os seus gostos, personalidades e anseios. Descoberto o sonho, procuram-se, em pequenos negócios, parcerias que ajudem na sua realização. Em troca, as empresas recebem um plano de negócios que visa melhorar o desempenho da empresa. A assegurar todas estas fases: os jovens universitários.

“Muitas pessoas que praticam voluntariado é mais por problemas próprios e isso é um ciclo vicioso porque acabam por não ajudar como deveriam ajudar. À partida, os jovens não passam por isso porque são mais open mind, têm um estilo totalmente diferente”, conta o fundador. O projecto já teve duas vagas de recrutamento e tem recebido centenas de candidaturas. Depois de um processo de selecção, ficaram 61 elementos na organização.

O modelo de concretização de sonhos de crianças em estado de saúde débil, preconizado pela conhecida associação Make-a-Wish, assente em donativos e voluntariado, é, neste caso, substituído por um modelo assente nas contrapartidas onde todos dão algo mas também recebem em troca.

“Os jovens, ao fazer parte destes planos, vão estar em contacto com empresas - um contacto que não teriam de outra forma - e estão a colocar os seus conhecimentos em prática, o que só aconteceria no local de trabalho, ou seja, já estão a diferenciar-se”, considera Daniel Proença. Os jovens que se envolvem no projecto recebem formação específica, nomeadamente, nas áreas de recursos humanos, finanças, comunicação e imagem que constituem o núcleo de funcionamento empresarial.

O acompanhamento das crianças é assegurado pela equipa de relações humanas que recebe formação específica com psicólogos da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. “São sessões de desabafo e terapia para saber como lidar com o luto, e de como motivar uma criança quando a única coisa que ela diz é 'Porquê eu?'", refere o director geral externo. As parcerias com o Instituto Português de Oncologia do Porto e com o centro Raríssimas da Maia permitem o contacto, diário, com as crianças.

A organização é a primeira empresa júnior social do país. Alicerçado no impulso dos jovens, respeita a organização hierárquica empresarial mas tem como único propósito a intervenção na sociedade. “Nós, os fundadores, estávamos noutras organizações aqui na faculdade e, diariamente, tínhamos outro tipo de tarefas que desenvolvíamos a nível pessoal e profissional mas chegávamos ao fim do dia e pensávamos: 'isto é tudo muito bom para mim, mas e a sociedade? Estou a fazer alguma coisa pela sociedade?'”, conta.

A vontade de intervir no espaço social levou os jovens da uDream a querer transformar os sonhos em realidade. Uma acção que nem sempre acontece. “Acho que ainda há muito a ideia, por parte dos jovens, que o tempo é limitado. Acham que o seu tempo só dá para estudar e confraternizar com os seus amigos e que isso é que lhes dá realização pessoal”, considera o jovem para quem ainda há outra mentalidade errada - a dos mais novos “pensarem que têm tempo para ter impacto na sociedade”.

A uDream está aberta a todos os jovens universitários da Universidade do Porto com menos de 25 anos, mas qualquer um, através da aquisição do cartão de sócio, pode ajudar os sonhos de outros a tornarem-se realidade. Até agora, seis foram cumpridos e outros dez estão em fase de acompanhamento. Em vidas comandadas pelo sonho, a realidade é, por vezes, ingrata. O Luís aprendeu que alguns dos remates resvalam no poste. Mas agora, sabe o quanto vale um golo.

Texto editado por Ana Fernandes

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