Javalis estão a destruir flora protegida na Arrábida

Número de animais não pára de aumentar e a população está preocupada. Além de prejuízos económicos, há perda de vegetação emblemática daquela área protegida.

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Estima-se que haja cerca de 400 animais na serra Miguel Manso

O aumento desenfreado do número de javalis na Serra da Arrábida, no concelho de Setúbal, está a ameaçar espécies de flora protegida pelo parque natural, como orquídeas raras e tulipas selvagens. Os suínos têm também destruído culturas agrícolas e jardins, e quando a comida nas matas escasseia descem até às praias para revirar caixotes do lixo. A situação está “fora de controlo”, avisa a presidente da Junta de Freguesia de Azeitão, Celestina Neves, pedindo uma intervenção urgente das autoridades.

Nos últimos meses têm-se intensificado os danos em propriedades privadas naquela zona e os avistamentos dos suínos na via pública, até no parque urbano de Azeitão, onde revolveram a relva. “As pessoas estão abaladas com isto. Já houve um acidente na Estrada Nacional 10, uma colisão entre um veículo e um javali, à noite”, relata Celestina Neves. Não há registo de danos pessoais mas a autarca teme que possa acontecer o pior, até porque algumas pessoas aproximam-se dos animais e dão-lhes comida, esquecendo que são animais selvagens e, logo, imprevisíveis.  

E os bichos parecem cada vez mais afoitos. Neste sábado, por volta das três da tarde, três javalis passeavam à beira-mar na praia do Creiro, perto do Portinho da Arrábida, indiferentes a um grupo de jovens, tendo acabado por procurar refúgio na vegetação.

Além dos prejuízos para os proprietários das culturas afectadas – a região tem várias quintas com actividadea importantes para a economia local, como a vinha – e dos riscos para a saúde e segurança da população, há outra ameaça a pairar sobre o ecossistema da Arrábida. Além de bolotas, os javalis comem também os bolbos de flores como as orquídeas, endémicas e emblemáticas daquela região calcária, onde ocorrem cerca de 30 sub-espécies.

“Os javalis estão concentrados em habitats mais densos, sobretudo nos sítios de maior protecção, como a Mata do Solitário e a Mata Coberta”, explica o botânico Jorge Capelo. “Em busca de comida, reviram o solo e não só eliminam as plantas bolbosas como também alteram a estrutura do terreno, através dos dejectos, que normalmente não existem neste ecossistema”, acrescenta. O resultado é, por um lado, a erosão dos terrenos, e por outro lado a substituição da flora natural desta zona por outras plantas “de carácter oportunista”, pondo em causa os factores que levaram à criação da área protegida.

Segundo este investigador na área da ecologia da vegetação, naquelas duas matas próximas do Portinho da Arrábida “os efeitos são já muito visíveis”. Há “áreas muito grandes devastadas”, incluindo clareiras onde antes cresciam as orquídeas, consideradas habitats prioritários por uma directiva comunitária. “Esta flora não vai regressar com facilidade, nem no curto nem no médio prazo”, alerta Jorge Capelo.

Cerca de 400 porcos selvagens
A presença de javalis na zona não é novidade – os animais terão sido introduzidos pelo proprietário de uma quinta há cerca de uma década e depois avançaram pela serra, segundo a autarca de Azeitão. Como o plano de ordenamento do Parque Natural da Arrábida (PNA) impõe restrições à caça e a espécie se reproduz facilmente, com ninhadas que podem chegar a uma dezena de crias, os efectivos foram aumentando. “Se se tivesse caçado o javali, seguramente que a população estaria mais controlada”, garante João Carvalho, secretário-geral da Associação Nacional de Proprietários e Produtores de Caça (ANPPC), lembrando que não existe na zona qualquer predador natural do javali.

Segundo a estimativa facultada à Junta de Freguesia de Azeitão por uma fonte do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), actualmente haverá cerca de 400 porcos selvagens na serra. O PÚBLICO questionou a directora do Departamento de Conservação da Natureza e Floresta de Lisboa e Vale do Tejo, Maria Jesus Fernandes, sobre as medidas que estão a ser tomadas para resolver o problema, mas não obteve resposta.

Os proprietários rurais e florestais daquela região podem pedir ao ICNF autorização para abater os animais, alegando que foram ou prevêem ser atacados. “As pessoas já sabem que quando termina a produção de bolota, eles viram-se para os caixotes do lixo e os jardins, à procura de minhocas”, explica João Carvalho.

Em articulação com o ICNF, a Junta de Freguesia de Azeitão, a GNR e o Clube da Arrábida, a ANPPC participou já em algumas acções “de correcção de densidade”, que podem ir do abate à captura de javalis. Em Janeiro houve uma montaria mas a mudança imprevista das condições meteorológicas levou ao fracasso da operação. Foram também feitas “esperas” ao animal, que resultaram no abate de oito javalis, um número “insuficiente”, diz João Carvalho.

“A Arrábida tem uma enorme afluência de visitantes e as acções têm que ser feitas com muito cuidado”, afirma o secretário-geral da associação. Segundo este responsável, está a ser estudada a instalação, até ao Verão, de armadilhas para captura dos animais. O destino a dar aos indivíduos capturados pode ser o abate, “da forma mais digna possível”, ou a libertação em locais que sejam já habitados pela espécie, ou zonas de caça.

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