Irene voltou à Sé e, por isso, a vida só pode melhorar

Cinco famílias que, em 2008, foram obrigadas a deixar o centro histórico, para o desenvolvimento de projectos de reabilitação que envolviam as suas casas, puderam agora regressar.

A cerimónia de entrega de chaves das novas casas do Morro da Sé, no Porto, ainda não tinha começado e já Irene Alves, 51 anos, limpava os olhos das lágrimas que denunciavam a emoção. A mulher saíra da Rua de Pena Ventosa, na Sé, há seis anos e agora iam dar-lhe a chave de uma casa, para que pudesse regressar ao centro histórico. À sua Sé, onde gosta de fazer barulho, falar alto o quanto lhe apetece. Depois, já com a chave da nova casa na mão, agora no Largo de Pena Ventosa, deixara as lágrimas para trás e sorria abertamente.

“A casa é espectacular, sendo na Sé, tudo é bom”, dizia a mulher ainda antes de ir fazer uma visita ao T2 que lhe atribuíram, para partilhar com o marido, Celestino, a filha e uma neta. Por ela, mudava-se já nesta sexta-feira, mas ainda é preciso mandar ligar água e luz, e arranjar alguém que ajude a transportar “os tarecos” que mobilam a casa que a família ocupou no Bairro do Duque de Saldanha, nos últimos seis anos. “Não tenho que dizer de mal do bairro, mas desde que fui para lá, tudo correu mal. Ele [Celestino] ficou desempregado, a filha também. Era só eu a segurar as costeletas. Eu na Sé estava ‘coberta’, nada me acontecia. Agora que voltamos, vamos dar a volta por cima”, dizia.

A família de Irene Alves foi uma das cinco que, esta sexta-feira, recebeu das mãos do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, a chave que lhes permite regressar ao Morro da Sé, de onde saíram em 2008, por causa da expropriação das suas casas, para o desenvolvimento do projecto de reabilitação no local, encabeçado pela Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU).

Agora, a entrega das chaves foi feita na sede da SRU, com o presidente da sociedade, Álvaro Santos, a lembrar que estas são apenas as primeiras cinco das 81 casas que o Morro da Sé deverá ter para oferecer até meados de 2016. Nem todas serão para antigos moradores – algumas serão para novos residentes, que irão pagar mais pelas habitações, explicou um dos responsáveis da SRU -,e a par com as cinco famílias oriundas da Sé, cinco novos agregados poderão também ocupar cinco casas reabilitadas no Morro da Sé e já concluídas. Quanto aos antigos moradores, os primeiros a regressar ao centro histórico foram escolhidos por as habitações disponíveis se adaptarem ao perfil das famílias e “por estarem a morar mais longe dali”, segundo a SRU. Os que agora regressam vão encontrar casas “com excelentes condições, com certificação energética A+, que é o melhor que pode existir em conforto térmico e acústico”, garantiu Álvaro Santos.

E, enquanto o presidente da SRU pedia aos antigos moradores da Sé, agora de regresso, que “estimem” as casas, Rui Moreira quis “agradecer” aos antigos moradores. “Queria agradecer-vos pela paciência e por terem acreditado que iriam regressar”, disse o presidente da câmara, pedindo às cinco famílias que digam aos vizinhos que saíram e até já se habituaram a viver fora do centro histórico, que regressem. “O Morro da Sé é a operação mais importante da SRU. Não é a mais visível, mas a mais importante, porque permite dar condições de dignidade a quem sempre viveu e quer viver aqui”, disse.

Será assim com Maria da Graça, que vai agora ocupar um T0 na Rua da Bainharia, que fica no 1.º piso, em vez do 3.º andar para onde fora temporariamente transferida e onde lhe custava tanto chegar, por causa do número de degraus que era preciso vencer. Assim será também com a família de António Cardoso e com a de Maria da Graça. E assim será com a família de Manuel Fernando, 58 anos, também ele com as lágrimas nos olhos ao receber a chave da casa no Largo da Pena Ventosa. “Estava a ver que não vinha mais para o meu ninho. Foi a melhor prenda de Natal que podia ter tido”, disse.

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