Há um refúgio para as aves que descansam no Tejo mesmo às portas de Lisboa

Primeiro ano do EVOA ficou aquém do previsto no número de visitantes, apenas quatro mil, mas as aves não param de chegar: no pico do Inverno foram avistadas cerca de 14 mil em simultâneo nas três lagoas.

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Um par de binóculos, uma dose de paciência e – mais importante – silêncio. “Porque elas conseguem ouvir-nos”, garante o guia. Escondidos no observatório junto à lagoa Principal, apontamos os binóculos às janelas que dão para as pequenas ilhas cobertas de vegetação. Aninhados à beira da água, casais de patos-colhereiros, marrequinhas e alguns exemplares de perna-vermelha aproveitam o sol da manhã. Se sabem que estamos ali, a poucas dezenas de metros, não parecem importar-se com isso.

Serão cerca de 120 aves, segundo os olhos bem treinados de Luís Arede, engenheiro florestal de 24 anos. É ele que nos guia pelos caminhos do EVOA – Espaço de Visitação e Observação de Aves, situado em Samora Correia, na parte sul da Lezíria Grande de Vila Franca de Xira, que ocupa 14 mil hectares entre os rios Tejo e Sorraia. A meia hora de Lisboa, com a malha urbana no horizonte, o silêncio é interrompido apenas pelo canto do rouxinol-bravo ou da fuinha-dos-juncos, que voa sobre os caniçais.

Mas ainda são poucos os que conhecem este paraíso, aonde chegamos por uma estrada de terra batida que rasga campos de arrozais, alguns ainda alagados pela chuva. O espaço da Companhia das Lezírias (CL) foi inaugurado em Dezembro de 2012, depois de um investimento de mais de dois milhões de euros (comparticipados pela Brisa em 1,4 milhões e por fundos comunitários em um milhão de euros, mais 63 mil euros pagos pela CL) e abriu ao público a 7 de Abril do ano passado. No primeiro ano, quatro mil pessoas visitaram o EVOA. Apesar da tendência de aumento nos últimos meses, este número fica muito aquém do previsto inicialmente: 35 mil a 50 mil visitantes por ano. O objectivo é agora mais cauteloso: atrair, dentro de três anos, 10 mil a 15 mil visitantes por ano.

O espaço é visitado sobretudo por escolas, fotógrafos profissionais e residentes na Grande Lisboa, com destaque para Lisboa, Sintra e Cascais. “Também temos visitantes de Benavente e Vila Franca de Xira mas curiosamente ficam-se mais pela cafetaria”, observa Sandra Silva, bióloga e coordenadora do espaço.“Os lisboetas são mais sedentos do contacto com a natureza." O EVOA é procurado também por turistas interessados em birdwatching (observação de aves) – uma actividade que, segundo dados do Turismo de Portugal, é praticada em todo o mundo por 80 milhões de pessoas. Mas “cerca de 50% das pessoas que nos visitam nunca fizeram observação de aves”, nota a bióloga.

“Muitas pessoas ainda não conhecem o conceito”, admite. Não faltam actividades na agenda para mudar esse desconhecimento. Neste sábado, por exemplo, há um workshop de “observação de aves para totós”, destinado particularmente a famílias com crianças. Todos os meses há vários eventos que convidam a conhecer melhor a biodiversidade do estuário. O espaço só encerra em Julho, para manutenção.

Encaixado na Reserva Natural do Estuário do Tejo – a mais importante zona húmida de Portugal e uma das dez mais importantes da Europa –, o EVOA inclui um centro de interpretação e três lagoas de água doce alimentadas pela Vala de Mar de Cães e criadas propositadamente para atrair aves migratórias, nas suas rotas entre o Norte da Europa e África. Esta é “uma zona de refúgio, onde as aves se protegem das marés, se alimentam, nidificam e descansam”, explica Luís Arede.

Nos meses frios, cerca de 120 mil aves sobrevoam o estuário, que serve de “colónia de férias” para 99% da população nacional de ganso-bravo e para 21% da população europeia de alfaiate – não é por acaso que este animal é o símbolo da reserva. Neste Inverno, foram observadas cerca de 14 mil aves em simultâneo, de 45 espécies diferentes. Desde flamingos vindos da Argélia até milherangos que viajaram desde a Islândia, entre outras “raridades”, como a marrequinha-americana, cuja presença é pouco comum em Portugal.

Cinco quilómetros de percurso
As visitas custam entre seis e 12 euros e podem ser feitas com ou sem guia. Para os mais inexperientes, a melhor opção é a primeira. O percurso estende-se ao longo de quase cinco quilómetros, pelo meio dos caniçais na margem das três lagoas: a Principal, onde se vêem patos o ano inteiro; a Rasa, que seca no Verão e é mais utilizada para fazer os ninhos; e a Grande, que é gerida em função das necessidades das aves.

A melhor altura do dia para a visita é quando a maré enche e as aves se refugiam nas águas calmas das lagoas. O passeio demora cerca de duas horas, já contando com as paragens nos observatórios, pequenas casinhas de madeira à beira da água onde os visitantes podem ficar a ver ou fotografar as diversas aves. De preferência quietos, para não perturbarem as aves. A tarefa, admitimos, não é fácil.

Entramos no observatório da lagoa Grande e mal temos tempo para pegar nos binóculos. Uma mancha de pontos negros eleva-se no ar e dança, sincronizada, no céu azul, para depois voltar a aterrar na água. É um bando de marrequinhas - "uns 200 ou 250", adivinha Luís Arede - , os patos mais pequenos da Europa e também os mais ágeis quando levantam voo. São aves invernantes e estão quase a abandonar o estuário. Começaram a chegar em Agosto e no final de Novembro seriam já 13 mil, segundo as contagens de Luís Arede. "Conto de cinco em cinco, ou dez em dez. Se me engano tenho de voltar ao início. É mais fácil quando estão a voar", explica.

O sol vai alto. Uma água-pesqueira paira à procura de comida, mas não parece ter sorte. Poisa, escondida na vegetação, e aproveita para "pentear" as penas. Conseguimos vê-la ao longe, com os binóculos, da janela do observatório. Desviamos o olhar para uma águia-sapeira, que voa em círculos a escassos metros do solo. Esta espécie, classificada como vulnerável, é uma das residentes no EVOA. Também para ela, o estuário do Tejo é um paraíso, onde vive 40% a 50% da população reprodutora nacional.

Se o Inverno é a época alta para o EVOA, Março é mês de renovação. “As aves migratórias de Verão estão a chegar ao estuário, as de Inverno estão de partida, e as residentes estão a procriar”, explica Luís Arede. Às aves juntam-se, em terra, as raposas, javalis, texugos e fuinhas. Por ser proibida a caça na zona da reserva, encontram ali a residência perfeita. "Até temos um jacuzzi para os javalis, onde eles se enroscam na lama e eliminam os parasitas", brinca o guia, a apontar para um buraco no chão junto ao caminho.

Actualizado às 11h50 de 21/03: acrescenta informação sobre o investimento no projecto e corrige número de visitantes esperado inicialmente

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