Há seis séculos, Loulé penhorava quem não pagasse impostos em figos

A história, às vezes, repete-se. A acta municipal mais antiga do país assinala seis séculos de poder local e mostra como Loulé cobrava impostos aos incumpridores poderosos.

Foto
A acta descoberta diz respeito ao dia 12 de Dezembro de 1384 DR

A cidade de Loulé celebra esta sexta-feira 630 anos de poder local, dando a conhecer a acta municipal mais antiga do país. No documento que a autarquia considera ser digno de vir a ser classificado de “Tesouro Nacional” são relatados alguns episódios do século XIV a lembrar tempos actuais. À época, queixavam-se os vereadores que “algumas pessoas poderosas da dita vila” se recusavam a pagar os impostos, traduzidos na entrega de figos à autarquia.

A inauguração da exposição “630 anos de poder local”, onde vão estar patentes ao público os originais das actas de Loulé do século XIV ao século XXI e os forais de D. Afonso III e D. Manuel I, é apenas uma das componentes de um vasto programa cultural que decorre durante todo o dia, terminando com uma sessão solene à noite no cine-teatro louletano. Da parte mais mediática da iniciativa, destaca-se ao início da manhã, a libertação, junto às muralhas do castelo, de 18 pombos transportando na pata o nome dos 18 louletanos que participaram nessa reunião autárquica, que passou à história como exemplo da dificuldade em tocar nos interesses das classes mais abastadas.

A historiadora Luísa Martins evoca, a este propósito, o papel regulador que tinham os municípios na economia local, fazendo uso da faculdade de cobrar impostos directos. “As câmaras recolhiam bens junto dos mais abastados para distribuir pelos pobres, nos anos de maior carência, evitando, desse modo, revoltas em épocas de fome”. A primeira acta do municipalismo, datada, faz um retrato do poder autárquico. Os vereadores, no dia 12 de Dezembro de 1384, pelo que ficou escrito, foram incumbidos de penhorar aos munícipes em “gados e pão [cereais]” o dobro do valor dos  figos que teriam de  entregar, caso não cumprissem com a obrigação que lhes era devida. A venda era feita em hasta pública. “Vendidos e rematadas, e que paguem os sobreditos negligentes a dita fruta, o dobro”. Luísa Martins, autora de um mestrado sobre a “história da alimentação medieval em Loulé” e doutorada com uma tese sobre a presença portuguesa em África, no período de Mouzinho de Albuquerque, lembra que o Algarve, nesta época, era um grande produtor de frutos secos, mas sofria de uma “carência crónica de cereais, especialmente trigo”.

Do programa das comemorações do poder local, destaca-se um simpósio destinado a abordar a importância do municipalismo ao longo da história. No caso de Loulé, adianta Luísa Martins, o concelho teve direito a enviar dois representantes às Cortes de Coimbra, “mas antes tinha contribuído com bens para a causa do Mestre de Avis”. Já no séc. XII, sublinha, o concelho “tinha um peso significativo para a exportação de figo para Marrocos”. No encontro participam, entre outros académicos, os investigadores Maria Helena Cruz Coelho (Universidade de Coimbra), Maria de Fátima Botão Marques (Universidade Nova), Luís Miguel Duarte (Universidade do Porto) e Eduardo Vera-Cruz (Universidade de Lisboa).

A efeméride que assinala os mais de seis séculos de poder local insere-se no programa das comemorações do 25 de Abril que se tem vindo a realizar neste concelho ao longo do ano. Os ex-presidentes da República, Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, foram alguns dos convidados a participar nas outras iniciativas cívicas e culturais, a cargo de uma comissão presidida por Carlos Albino, ex-correspondente diplomático do Diário de Notícias. 

Sugerir correcção
Comentar