Há praias a "não abrir" por falta de nadadores-salvadores

Lei impõe aos concessionários dos apoios de praia exigências que a maioria não está em condições de suprir no que diz respeito à segurança. Autoridade Marítima garante que foram formados mais nadadores-salvadores do que em 2015, mas boa parte deles não estará disponível para trabalhar.

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Meios do Instituto de Socorros a Náufragos estiveram envolvidos nos dois resgates Pedro Cunha (arquivo)

De Norte a Sul do país, sucedem-se os casos de concessionários que não conseguem assegurar a presença de nadadores-salvadores. Em Grândola, por exemplo, há praias que não podem hastear a bandeira azul porque não estão garantidas as condições de segurança. Mas há quem tenha dado a volta ao problema, como é o caso de Vila do Conde, onde se assegurou a formação destes profissionais por preços aceitáveis. Mas os problemas permanecem em muitos pontos da costa.

Estão reunidas as condições para a ocorrência de “uma tempestade perfeita” no dispositivo de segurança das zonas balneares do concelho de Grândola, adverte Nuno Gomes, presidente da Associação de Nadadores Salvadores de Grândola (ANSG). Este responsável garantiu ao PÚBLICO que “só no concelho de Grândola são precisos cerca de 60 nadadores salvadores” mas estes não existem em número suficiente para garantir a segurança nas 10 praias da “Vila Morena”.

Sem nadadores-salvadores em número suficiente, “a salvaguarda de vidas humanas está posta em causa”. E quando os dispositivos de segurança são postos em causa “a zona balnear que foi galardoada com a bandeira azul perde este estatuto”. Por isso, este galardão, "até esta quarta-feira, apenas foi hasteado nas praias da Galé e Soltróia Resort” quando foram nove as praias distinguidas, assinala o presidente da ANSG, salientando a “legislação obsoleta que impõe aos concessionários a contratação de nadadores-salvadores”.

Esta legislação veio colocar um conjunto de regras “muito mais exigentes” na contratação de nadadores-salvadores, que na sua maioria são estudantes universitários, assinala Nuno Gomes. Assim, aqueles que, por exemplo, beneficiam de uma bolsa de estudo, se vierem a desenvolver uma actividade profissional na época balnear “vão perder o acesso a este tipo de apoio”. E os que estão a cargo dos pais e contam para a classificação dos seus rendimentos familiares “vão obrigar os pais a mudar de escalão de IRS” caso os filhos assinarem um contrato como nadadores-salvadores.

Acresce ainda que a formação de nadadores-salvadores passou a ser facultado por entidades privadas. Assim, os cursos que em 2015 custavam 160 euros, em 2016 chegam aos 350 euros.

Pela informação que recolheu até esta quarta-feira, o presidente da ANSG diz que as praias de Melides, Santo André e Atlântica, “não abriram”. As praias de Aberta Nova, Pego, Carvalhal, Comporta, Tróia-Bico das Lulas e Tróia-Mar têm nadadores-salvadores, “mas em número insuficiente”. A legislação em vigor (Portaria n.º 311/2015) determina que, para garantir a segurança das pessoas que frequentam as zonas balneares, “é obrigatório manter um nadador-salvador profissional por cada 50 metros” de frente de praia. “Precisávamos de 60 nadadores-salvadores e não os temos ”, destaca Nuno Gomes.

Estudantes ainda indisponíveis

A Autoridade Marítima Nacional (AMN), em resposta ao PÚBLICO, esclarece que a situação que se está a viver no presente ano de 2016 “é bastante semelhante” ao que se verificou em 2015.

Reportando-se aos números da formação de novos nadadores-salvadores, refere que “à data de 1 de Junho de 2016, foram realizados 61 cursos de nadadores-salvadores, tendo sido certificados 1378 novos nadadores-salvadores para o exercício da actividade”. Os dados relativos a 2015, e em igual período, referem que “foram realizados 58 cursos, tendo sido certificados 1243 novos nadadores-salvadores”. A AMN sustenta que da análise dos números, se depreende que a realidade é “semelhante à do ano 2015, pelo que o panorama nacional não se alterou”.

Mas João Carreira, presidente da Federação Portuguesa dos Concessionários de Praia (FPCP), diz que o porta-voz da Autoridade Marítima Nacional “não está a falar verdade": "Se houvesse tantos nadadores-salvadores nacionais não havia necessidade de estar a mandar vir brasileiros", afirma, referindo-se ao protocolo estabelecido entre o Instituto de Socorros a Náufragos e a Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (SOBRASA) para intercâmbio de nadadores-salvadores.

O presidente da FPCP acrescenta que “lá por haver formação de nadadores-salvadores, não significa que os formandos estejam disponíveis para trabalhar”, sublinhando que “a esmagadora maioria são estudantes, que apenas dão apoio enquanto não terminam o curso e depois vão à vida deles”.

A solução deste problema - “que é nacional” garante João Carreira - “tem de passar pelas autarquias e pelos bombeiros" para que os concessionários de praia não sejam confrontados com uma situação que é recorrente. “Se faltam nadadores-salvadores, nós temos de colocar uma placa 'praia não vigiada' com os riscos que uma situação destas comporta", observa. E dá o exemplo que neste momento está a condicionar a actividade dos concessionários da Costa da Caparica: “Dos 44 nadadores salvadores de que precisamos só temos um e mesmo assim não é a tempo inteiro”. Esta situação “repete-se de Norte a Sul do país”, garante o presidente da FPCP.

Paulo do Carmo, coordenador da Quercus para o Litoral Alentejano, realça que uma das causas da situação que se vive nestas praias reside no Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Sines/Sado, que classifica de “aberração legislativa” por estar “descontextualizado” em algum do seu articulado.

O dirigente da Quercus exemplifica com a praia de Melides que tem a maior extensão do país, cerca de 500 metros. “Nos últimos anos deixou de ser procurada” como destino balnear por um número crescente de pessoas, mas continua a exigir-se que tenha 10 nadadores-salvadores”.

O presidente da Câmara de Grândola, António Figueira Mendes, em declarações a uma rádio local, diz que a falta de nadadores-salvadores na maioria das praias do concelho “resulta de uma legislação que não se coaduna com a realidade do território”, com praias muito extensa. O que leva o autarca a concluir que “alguns poderão cumprir com as exigências que a lei prevê, mas a maioria não tem recursos financeiros para contratar o número de nadadores-salvadores”.  

Caminhando mais para Sul, no concelho de Sines, nas praias de Vasco da Gama, S. Torpes, Porto Covo e Ilha do Pessegueiro “não há nadadores-salvadores que garantam o suporte dos seus dispositivos de segurança”, assinala António Mestre, responsável da Associação de Nadadores Salvadores do Litoral Alentejano-Resgate. E acrescenta que no concelho de Odemira são duas as praias afectadas pela falta de vigilância, destacando a do Malhão, “uma das melhores do litoral alentejano” (e onde foram investidos recentemente cerca de 1,1 milhões de euros na sua requalificação) e do Almograve.

O responsável da Resgate adiantou ao PÚBLICO que dos 21 nadadores-salvadores que são necessários para as praias já referidas, apenas estão disponíveis seis. António Mestre corrobora a informação prestada por Nuno Gomes, frisando que cerca de 70% dos nadadores salvadores são estudantes, que neste momento ainda se encontram em aulas, mas acredita que dentro de poucas semanas a vigilância esteja totalmente assegurada nas zonas balneares. 

O certo é que o PÚBLICO ouviu relatos sobre a ausência de nadadores-salvadores um pouco por todo o lado. De Quarteira a Odeceixe, passando pela Póvoa do Varzim. Mas foi precisamente aqui, onde surgiram os primeiros alertas sobre a falta destes profissionais, que se conseguiu dar a volta ao problema.

Depois de, em Março, a Associação de Nadadores Salvadores de Vila do Conde e Póvoa de Varzim “Os Delfins” ter demonstrado a sua preocupação com a segurança das praias, agora anuncia ter conseguido superar as dificuldades.

O presidente de “Os Delfins”, Carlos Ferreira, confessou ao PÚBLICO a sua satisfação por ter ultrapassado a escassez de nadadores-salvadores em 86 praias, o que estava a pôr em risco a época balnear entre a Apúlia e o Porto. “Desde o dia 15 de Junho que está tudo certinho e com a vigilância assegurada nas praias onde assumimos a vigilância”. Foi necessário formar pessoas “por metade do preço que outros praticavam” e hoje “Os Delfins”, “a maior organização do país”, tem ao seu serviço 60 novos nadadores-salvadores, destaca Carlos Ferreira.

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