Governo recua na eleição directa dos futuros líderes metropolitanos

Documento orientador aponta para eleição indirecta em assembleia metropolitana de uma lista proposta pelos autarcas de cada região.

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Eduardo Cabrita apresentou ao Conselho de Ministros a nova proposta de descentralização de competências Daniel Rocha

Os próximos presidentes das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto já não deverão ser eleitos directamente pela população, como tinha prometido o primeiro-ministro, António Costa. O desenho institucional ainda não está fechado, mas um documento estratégico do gabinete do ministro-Adjunto, Eduardo Cabrita, aponta para uma eleição indirecta dos líderes metropolitanos, contrariando desta forma a vontade da maioria dos autarcas de Lisboa. No Porto, onde ainda não há um parecer à proposta, algumas vozes insurgem-se já contra esta inflexão

A eleição do presidente, por sufrágio universal entre os eleitores dos concelhos de cada uma das áreas metropolitanas, era uma promessa do programa eleitoral do PS e vinha sendo reafirmada nos primeiros meses deste ano. Mas o modelo suscitou dúvidas de vários quadrantes, seja no PSD – que o vê como uma regionalização parcial do país, o que implicaria, segundo a Constituição, a sua aprovação em referendo – seja mesmo em Belém. Há dois meses, no Porto, Marcelo Rebelo de Sousa avisou que vai "estar atento" ao processo de descentralização, afirmando que a solução terá de ser estável, funcionar bem e respeitar a Constituição.

O documento orientador foi apresentado ao Conselho de Ministros na semana passada, na mesma altura em que o Conselho Metropolitano de Lisboa aprovava um parecer favorável à eleição directa do líder da área metropolitana. No Porto, o grupo de trabalho criado há um mês para elaborar também um parecer sobre este e outros aspectos da descentralização, não produziu ainda qualquer documento, e na reunião desta sexta-feira, os autarcas presentes pouco discutiram a mudança na posição do Governo.

Defensor da eleição directa do seu sucessor, o presidente do Conselho Metropolitano, Hermínio Loureiro, não comentou o documento orientador, prometendo, nos próximos dias, consultar os restantes 16 autarcas sobre este assunto, para elaboração de um parecer. Só o autarca de Valongo, o socialista José Manuel Ribeiro, insistiu que deixar cair o modelo proposto nas eleições pelo PS significará perder a oportunidade de avançar para uma solução mais representativa de uma sociedade regional com 1,8 milhões de habitantes, metade dos quais utiliza recursos de mais do que um município.

O presidente da Câmara de Gondomar, o socialista Marco Martins, que não interveio na reunião do conselho metropolitano, fez eco da incerteza que, neste momento, paira entre os autarcas, mostrando-se, em declarações ao PÚBLICO, pouco à vontade para discutir o assunto. “Não faço ideia se vai haver eleição directa. As informações são contraditórias”, justificou. Outro socialista, o presidente da Câmara de Santo Tirso, não esteve nesta reunião do conselho metropolitano – na qual foi representado pela sua vice – mas reagiu com alguma preocupação à proposta do Governo.

Joaquim Couto revela que ficou “muito surpreendido”. Este recuo, assumiu, deixa-o inquieto. “Perfilhava que a eleição fosse directa como consta do programa do Governo e do guião do PS, porque a eleição directa conferia-lhe peso político, o que não acontecerá se for indirecta”, observa. Couto vê a área metropolitana “como uma autarquia de nível superior, acima dos municípios” – como consta da proposta do Governo – mas, tira da mudança no modelo uma conclusão diferente. Não havendo um sufrágio directo e universal, “há, de facto, uma diminuição da legitimidade política de quem a liderar ”, insiste.

O presidente da Câmara de Santo Tirso diz que do ponto de vista da organização do Estado, “era um passo importante que fossem descentralizadas competências para as áreas metropolitanas com a respectiva mochila financeira, que deve de vir do Orçamento do Estado e não dos municípios”. E, perante as alterações ao guião inicial, teme que os “autarcas venham mais tarde a ser surpreendidos com a obrigatoriedade de terem de contribuir para os orçamentos metropolitanos. E isso é que não!”. Pelo que se ouviu na reunião desta sexta-feira, nesta questão, o parecer que sairá do conselho metropolitano do Porto será consensual, tal como aconteceu já em Lisboa, onde todos os autarcas recusaram que a descentralização seja feita à custa das competências, e dos orçamentos, dos respectivos municípios. 

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