Furtos de pombos-correios levantam suspeitas sobre torneios de tiro

Desde o Verão do ano passado que os pombais do Baixo Alentejo estão na mira de assaltantes, que levam as aves que se destacam pela sua qualidade, sobretudo como reprodutoras.

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Os caçadores refutam acusações de que os furtos tenham como destino os treinos de tiro Miguel Madeira

Furtar pombos-correios nos pombais do Alentejo para os vender em campos de treino de caçadores que recorrem às aves para aperfeiçoar a pontaria parece ser a motivação dos assaltantes que têm andado a fazer desaparecer estes animais, acusa Rogério Ricardo, vice-presidente da Associação de Columbófilos do Baixo Alentejo (ACBA).

O dirigente associativo insurge-se contra a falta de fiscalização, permitindo assim que entre os pombos vulgares que servem de alvo aos caçadores “possam estar pombos-correios” a quem são cortadas “as anilhas e as penas da cauda e que são vendidos para serem largados nos campos de tiro aos pombos”.

Rogério Ricardo critica o sacrifício de exemplares que são bons reprodutores ou que se destacam pela boa linhagem. “Só por maldade é que se podem abater pombos que se notabilizam pela sua qualidade”, sublinhou, realçando ainda o interesse dos assaltantes em furtar aves reconhecidas como boas reprodutoras para com elas criar colónias de criação de pombos.

Seja qual for a motivação para os furtos que ocorrem desde o último Verão em vários concelhos da região, mas com maior incidência em Almodôvar e Beja, os columbófilos baixo-alentejanos estão preocupados com o furto dos melhores pombos, aqueles que ganham prémios, o que redunda num enorme prejuízo para quem tem na criação e na competição o seu hobby.

Em Almodôvar, os furtos incidem sobre pombos “com tonalidades vermelhas e brancas” enquanto “os pedrados e azuis são poupados”, assinala o dirigente da ACBA. Em Beja, houve assaltos recentes a dois pombais localizados na “Aldeia Columbófila”, nos arredores da cidade, e num local isolado.

Este último tem oito instalações para pombos, tendo sido assaltado durante a noite depois de ter sido cortada a rede que cerca o espaço e arrombados dois pombais. De um foram levados 70 pombos reprodutores e no outro mais sete. O subintendente da PSP de Beja, Nuno Poiares ,confirmou ao PÚBLICO que destas duas ocorrências resultaram dois autos de notícia e a abertura de processos-crime que estão a decorrer.

Confrontado com a denúncia dos criadores de pombos, Jacinto Amaro, presidente da Federação Portuguesa de Caça, afirmou que “é a primeira vez” que houve falar em roubo desta espécie de aves para serem abatidas em sessões de treino de caçadores.

O dirigente associativo faz um “desmentido categórico” de um tal procedimento, que diz ser infundado, embora admita que possa haver casos pontuais de pombos-correios que, após competições, recolhem exaustos a pombais das explorações agrícolas e acabam por se adaptar acabando por serem depois enviados juntamente com os pombos vulgares para torneios de tiro ao voo.

Mas no caso de haver algum caçador que receba pombos-correio para os lançar em torneios de tiro ao pombo ou em treino de tiro de caçadores, este “deve ser punido” por uma acção que considera ser “crime”.

Rita Silva, presidente da Associação Animal, disse ao PÚBLICO que não tem conhecimento da largada de pombos-correios em campos de tiro para treinar a eficácia dos caçadores, mas sabe da utilização de uma espécie de pombo chamado zurita “muito apreciado” pelos praticantes do “tiro aos pombos”.

Criados em cativeiro às centenas de milhares em Espanha, estes pombos são importados para Portugal para serem usados como alvos em provas de tiro. Por cada dia de prova, “cerca de 2500 pombos são mortos” em média, tendo cada atirador “direito” a abater sete pombos.

Durante o 5.º Campeonato Mundial de Tiro ao Pombo, realizado em Portugal em 2011, a Associação Animal admite que terão sido abatidos “cerca de 20 mil animais”. Este número “deixa de fora os muitos milhares de pombos” que são usados em treinos e que não são contabilizados.

O facto de estes serem pombos mais pequenos do que os pombos comuns “constitui um especial desafio à habilidade dos atiradores”, realça Rita Silva, descrevendo o que acontece a estes animais desde que saem dos pombais em Espanha onde são criados em cativeiro: “Depois de uma prolongada viagem até o campo de tiro – durante a qual não comem nem bebem – os pombos chegam já cansados, debilitados e sob grande stress".

Nos campos de tiro, são mantidos em gaiolas, novamente sem alimentação e água, até serem utilizados nas provas. São-lhes arrancadas as penas da cauda – as guia, que usam para orientar o seu voo – o que, cumulativamente com o stress e o cansaço, lhes provoca sofrimento físico. "O objectivo desta dolorosa mutilação é fazer com que os pombos tenham um voo irregular, de modo a que seja mais difícil para os atiradores fazerem um tiro certeiro", acrescenta.

Uma grande parte dos pombos é abatida a tiro, mas muitos acabam por cair feridos no campo de tiro “e agonizam durante horas, até ao momento em que assistentes do campo os vão apanhar e lhes quebram o pescoço”, prossegue a presidente da Associação Animal, lembrando que existe uma alternativa aos pombos nos treinos de tiro que são as hélices mecânicas (concebidas especificamente para terem um peso igualmente leve e um voo irregular e imprevisível, como o dos pombos).

No entanto, a opção dos atiradores – “gente endinheirada e com predilecção por desportos cruéis”, acusa – vai para os pombos “caríssimos” que são “criados em cativeiro às centenas de milhares em Espanha, de onde são importados para Portugal”.

Apesar do tiro aos pombos ser uma modalidade proibida em quase toda a União Europeia, é “reconhecida, regulada e promovida” em Portugal, Espanha e Andorra, pese embora o braço-de-ferro judicial que a Associação Animal tem mantido com os promotores desta actividade. Porém, são várias as decisões judiciais que dão razão à prática da modalidade, que conta com pareceres jurídicos “favoráveis elaborados por Marcelo Rebelo de Sousa e Freitas do Amaral”, acrescenta Rita Silva.

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