Este museu constrói exposições de raiz e tem legendas com histórias

Museu da Chapelaria de São João da Madeira faz 10 anos com uma viagem pelo tempo da mini-saia e com 210 mil visitantes no currículo.

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Museu tem mais de 19 mil peças doadas por 130 coleccionadores Nelson Garrido

Não há apenas chapéus neste edifício, agora pintado a amarelo-torrado, que noutros tempos fabricava resguardos para a cabeça e sapatilhas Sanjo. Há também máquinas, ferramentas, recortes de jornais, correspondência particular, testemunhos de quem não esquece a sua arte mesmo de olhos fechados.

O Museu da Chapelaria de São João da Madeira faz 10 anos com várias ideias na cabeça. Em perspectiva está um programa de exposições interactivas e dois novos núcleos expositivos dedicados a industriais são-joanenses que contribuíram para o desenvolvimento do sector chapeleiro na cidade. O primeiro é dedicado a António José de Oliveira Júnior, fundador da Empresa Industrial de Chapelaria, casa que hoje alberga o museu, e que abre já esta semana.

O museu são-joanense, único na Península Ibérica, cria exposições de raiz, depois de muita investigação, e não se conforma com típicos textos informativos. Aqui as legendas estão carregadas de histórias de quem manuseava máquinas que davam forma aos feltros e não só. Não faria sentido falar de uma indústria sem as vozes de quem lhe deu vida. “Em vez de descrevermos simplesmente o objecto e a sua função, transcrevemos parte das entrevistas que fizemos aos próprios operários e, desse modo, são eles, com as suas próprias palavras e idiossincrasias de discurso, que explicam, ao nosso visitante, que máquina é aquela, o que faz ou para que serve”, adianta Suzana Menezes, directora do museu.

Os ex-operários são, no fundo, os verdadeiros protagonistas deste espaço. “Muito deste museu é, sobretudo, o olhar de cada uma destas pessoas, sem análises, sem filtros. Foi com elas que aprendemos e descobrimos todo o universo da chapelaria. Partilharam generosamente as suas histórias de vida, contaram-nos as histórias da fábrica, ensinaram-nos a ver para além da materialidade dos próprios objectos”. “Muito mais do que máquinas, ferramentas ou chapéus, o que está presente é a memória dos chapeleiros e as histórias que eles partilharam connosco”, acrescenta a responsável.

Não são só as legendas que surpreendem. Há uma frase que dá que pensar. “Os chapéus usam-se na cabeça para podermos pensar melhor” é o lema das exposições temporárias. Suzana Menezes explica o que se pretende transmitir. “Aquilo que nos interessa não é tanto o objecto em si, mas aquilo que podemos aprender através dele. E aprendemos muita coisa: aprendemos acerca da evolução humana, dos problemas sociais do mundo, da diversidade cultural da humanidade”.

Objectos que têm coisas a contar
Uma década de vida com 210 mil visitantes – de Portugal, mas também da Alemanha, Angola, Canadá, Polónia, Brasil, Estados Unidos, Lituânia, Venezuela, Áustria, França, Grã-Bretanha, entre outros países -, duas menções honrosas de Melhor Museu Português e Melhor Serviço de Extensão Cultural atribuídas pela Associação Portuguesa de Museologia, e mais de 19 mil peças doadas por mais de 130 coleccionadores. Entre estes há antigos trabalhadores da indústria, empresas, escolas, associações, embaixadas, designers de moda, museus, políticos, antigas chapelarias, entre outros, que enriqueceram o museu com chapéus e caixas, máquinas, material publicitário, acessórios de moda, matérias-primas, e mais de 15 mil documentos.

Os números ajudam a contar um percurso de 10 anos. No entanto, a directora do espaço museológico prefere salientar a forma como as pessoas o assimilam. A maneira como os visitantes se impressionam com o que vêem. Como reagem. Como digerem as exposições. “Vê-los admirados quando descobrem como se faz um chapéu, vê-los comovidos quando ouvem histórias de vida de quem trabalhou nesta fábrica”.

As histórias estão, por isso, sempre presentes. “Mais do que os objectos per si, os museus têm de trabalhar com o que os objectos representam de conhecimento e questionamento e isto porque, achamos nós, o interesse do património não reside apenas naquilo que este representa do passado, mas pelas conexões que permite estabelecer com o presente, com os problemas da actualidade, com a vida das pessoas”.

A 22 de Junho de 2005, o então Presidente da República Jorge Sampaio inaugurava o Museu da Chapelaria em São João da Madeira. As portas abriram-se com a exposição Os Chapéus do Holocausto. Chapéus usados por pessoas que viveram e morreram em campos de concentração nazi que obrigavam a pensar numa negra página da história mundial. “Todas as exposições que desde então organizámos seguiram exactamente o mesmo princípio: o que é que este objecto tem para nos dizer e o que podemos com ele aprender?”. Suzana Menezes não esquece esse dia.

“O mais extraordinário foi vermos ali, massivamente, a nossa comunidade. Milhares de pessoas acorreram ao museu nesse dia – um dia de extraordinário calor, diga-se – para verem o museu do qual também se sentiam fazer parte. Chapeleiros e as suas famílias, mas tantos outros que não estando directamente ligados ao sector quiseram também fazer parte deste momento especial na história da nossa cidade”, recorda.

Este sábado, pelas 16h, o museu inaugura uma nova exposição com exemplares de chapéus que mostram o charme dos anos 50 e a irreverência dos anos 60. Do Glamour à Mini-Saia: A Moda dos Anos 50 e 60 exibe mais de 600 chapéus que o Museu Nacional do Traje colocou à guarda do museu são-joanense.

A mostra abre com danças e músicas desses tempos, numa performance do Centro de Cultura e Desporto de São João da Madeira, e estará aberta ao público até 27 de Setembro. E as portas continuam abertas para gente de todas as idades. É a Péu, uma personagem inventada, que faz a visita guiada a crianças até aos quatro anos que absorvem o espólio e património industrial de outra forma. Os miúdos do 1.º ciclo têm também um circuito especial onde podem vestir a pele de diferentes personagens para entender o que as exposições querem contar. Os adultos têm igualmente direito a guia para perceberem como nasceu uma indústria que marcou para sempre uma cidade e uma região.

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