Estas peças de teatro têm seis contos, 600 alunos e os professores são os lobos maus

Projecto pedagógico e artístico envolve seis escolas e quatro centros de dia da Mealhada. Apresentações este sábado e domingo no Cineteatro Messias.

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Adriano Miranda
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É a última semana antes da estreia, da subida ao palco num cineteatro que se vestirá a rigor, transformado em floresta desde a entrada com árvores de várias cores, tamanhos e feitios criadas pelas mãos de 600 alunos dos cinco aos 11 anos. No pavilhão do Centro Escolar da Pampilhosa, Mealhada, é dia de mais um ensaio. A floresta adormece e todos fecham os olhos. A floresta desperta e todos espreguiçam-se. Repete-se a cena. Uma vez, duas, três vezes. Os espectáculos são apresentados em seis sessões no Cineteatro Messias, na Mealhada, este sábado e domingo às 10h30, 15h e 17h. As entradas custam dois euros.

Maria Miguel tem seis anos, é a avozinha, e já escolheu a roupa para encarnar a personagem. Vestido branco, leggings pretas, sapatos prateados, e o cabelo estará atado em cima. E resume a história. “Eu sou a avozinha, os meus amigos são as galinhas. Há uma festa da netinha com a mãe e a avozinha e todos ficam felizes e cantam uma música”. Há alguma mensagem a transmitir? “Queremos mostrar aos pais que temos confiança neles”, responde.

Matilde Andrade tem nove anos, está no 4.º ano, é a capuchinho vermelho. “Vou fugir do lobo mau e vou cantar”. Vai levar doces à avozinha e meter-se em peripécias. Está tudo dentro da sua cabeça, a mensagem também é importante. “É uma história que diz que todos devemos ser amigos”. Joana Rafaela, nove anos, do 4.º ano, está ansiosa por mostrar aos pais o resultado de semanas de trabalho. É a formiga rabiga vestida de preto dos pés à cabeça. Confessa que está “mais ou menos nervosa” com o espectáculo inspirado em seis contos tradicionais, cinco do lobo mau mais um da cabra cabrês. O que vai dizer? “Olá coelhinho branco”. Esta é a primeira fala.

Daniel Costa tem sete anos e está no 2.º ano. Vestirá a pele de lobo dos sete cabritinhos. “Entro e digo: comi mel, comi mel”. Diz não, canta. A música está decorada, a roupa está em análise, pode ser preta ou cinzenta. No pavilhão, Sílvia Coelho, da Associação Escolíadas, tem o guião à frente. Diz frases, dá indicações aos pequenos actores de como devem adormecer e despertar. E vai lendo em voz alta o que está escrito no guião: “Que lobo no teu peito queres criar? O que queres ser? Há um lobo bom dentro de ti”.

Desde Outubro que cerca de 600 alunos das seis escolas do 1.º ciclo do ensino básico do concelho da Mealhada – escolas de Antes, Barcouço, Casal Comba, Luso, Pampilhosa e Mealhada – andam envolvidos no projecto Escolíadas Júnior, apresentado como um espectáculo de teatro musical inédito que abraça toda a comunidade educativa. Os mais velhos não ficaram de fora e foram desafiados a fazer os fatos de lobos maus que serão vestidos pelos professores. Os idosos de quatro centros de dia da Mealhada tiveram total liberdade para fazerem os trajes. Todos esmeraram-se até porque o melhor fato de lobo mau tem direito a prémio, ou seja, um curso de escrita criativa e yoga do riso para o centro de dia vencedor.

Na biblioteca da escola da Pampilhosa, fazem-se gravações dos textos e das músicas para que nada falhe no dia da estreia. Mariana Sá, da Associação Escolíadas, tem o gravador na mão. A professora Marlene Lopes grava as suas falas. Será o lobo mau e levou o desafio tão a sério que a sua turma do 4.º ano criou uma estrofe para cada história. A canção ficou tão bem que será usada nas pesças pelas restantes turmas. E o envolvimento foi tal que a canção funcionou como pretexto para abordar alguns temas do programa curricular como, por exemplo, as onomatopeias. “Como não tenho jeito de mãos, fomos para as canções, fizemos uma estrofe para cada história. Foi um desafio muito interessante, muito engraçado, porque participaram todos e sentimos que todos ficaram felizes”, revela a professora.

Incluir a arte na educação
As máscaras também foram preparadas por mãos pequenas e grandes. Máscaras de esponja com as caras do capuchinho vermelho, lobo mau, porquinhos, e restantes personagens. Os adultos moldaram as formas, os alunos colaram olhos, cabelos, óculos, bigodes das máscaras que se encaixam nas cabeças e não tapam os rostos. A ideia é que todos vejam as caras dos artistas de palmo e meio.  

Este projecto designado Escolíadas Júnior envolve a Associação Escolíadas, a Câmara da Mealhada e o Agrupamento de Escolas da Mealhada. A iniciativa tem objectivos pedagógicos e sociais perceptíveis para quem acompanha os passos. Desenvolver a criatividade e a imaginação dos mais pequenos e dos mais velhos é um dos propósitos do projecto que também ajuda a apurar o sentido estético e artístico e a desenvolver a sensibilidade e consciência crítica. Não é só dentro da escola que tudo acontece e os contos que dão vida a um espectáculo assumem a responsabilidade de criarem interacções não formais entre escolas e famílias. Vincar a importância de promover o ensino das artes nas escolas é também um dos principais objectivos. Cláudio Pires, presidente da Associação Escolíadas, recorda, a propósito, que fomentar a inclusão da arte na educação é a missão principal da estrutura criada há cerca de duas décadas. Habituada a trabalhar com os jovens do secundário, a associação decidiu sair da sua zona de conforto e desafiar os miúdos das escolas primárias. Depois de uma experiência-piloto, no ano lectivo passado, arregaçaram-se as mangas. “Sentimos que poderíamos criar alguma coisa incluindo a arte na educação, se possível a nível curricular”. O que aconteceu.

Cláudio Pires está satisfeito com o envolvimento. Quinta e sexta-feira foram dias de ensaios gerais, já no cineteatro, e os idosos dos centros de dia assistiram a esses momentos. Sentaram-se na plateia, viram o que os mais pequenos andaram a preparar e como os fatos de lobo mau assentavam aos professores.

O processo também é importante. Os professores tiveram acesso a alguma formação, os mais pequenos deram asas à imaginação e os mais velhos juntaram-se à volta da mesa para decidirem como seria o melhor fato de lobo mau. “No secundário, damos apenas os meios técnicos para os alunos fazerem as actividades. Aqui, optamos por alterar a nossa metodologia de forma a criar o maior envolvimento possível”. “O desafio tinha de ser interessante. Dentro das escolas, todos tiveram uma experiência diferente, didáctica, lúdica, criativa e de conhecimento”, acrescenta.

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