Três mil azulejos, três mil visões sobre o Porto vão juntar-se num imenso mosaico

O que é o Porto, o que representa, como se apresenta? De cada cabeça sairá a sua sentença e a proposta é reunir todas essas diferentes visões num imenso mosaico de azulejos, a inaugurar a 27 de Junho

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Rita França

É a Torre dos Clérigos, um filme de Manoel de Oliveira, a francesinha, o FCP, um poema de Sophia ou um sotaque? "Quem és, Porto?" pergunta o novo projecto do Locomotiva. Todos são convidados a responder, com um desenho ou uma frase. Desde que o façam em azulejos que, no fim, vão criar um mosaico gigante de três mil peças. Tal como tem vindo a acontecer na Rua da Madeira nos últimos tempos, esta iniciativa pretende reforçar a ligação entre a comunidade e os costumes portuenses.

Na elaboração dos trabalhos, ninguém está sozinho. Para além do responsável pelo projecto, Miguel Januário, alguns alunos da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto (ESE) orientam quem quer deixar a sua marca no grande mural.

Maria João Lamas é uma das alunas do curso de Artes Visuais e Tecnologias Artísticas da ESE que ajuda na organização do projecto. “As pessoas inicialmente chegam aqui com o discurso de ‘eu não sei desenhar, não sei o que fazer’ mas a partir do momento em que começam a trabalhar nota-se um envolvimento muito grande, ficam muito concentradas”, relata.

No início do workshop que o PÚBLICO visitou, Miguel Januário explica como podem trabalhar o azulejo “sem o danificar”. Mas esta foi uma sessão diferente da habitual pois tinha alguns convidados, como a Associação de Albergues Nocturnos do Porto que se fez representar por sete elementos. Sentados nas mesas colocadas no Armazém Sete da Rua da Madeira,  ouvem, expectantes, ouvem as instruções de Miguel Januário.

Para que cada um faça os trabalhos da melhor forma possível, há vários pincéis de muitos tamanhos e formatos e frascos de compotas que, agora já sem doce, contêm tintas. Os frascos que têm uma etiqueta com um “-” contêm um cinza claro, os que têm o símbolo “±” têm um tom intermédio e o “+” é o mais escuro.

Depois das primeiras explicações, começam a surgir as primeiras dúvidas. Ouvem-se perguntas como “Posso fazer à minha vontade?” ou “É preciso pôr o nome?”.

A esta última questão, Maria João Lamas explica que “podem fazer como quiserem, depende da marca que quiserem deixar aqui na cidade”. Para a estudante da ESE, o importante é ver o Porto “como alma e não como lugar”.

Mesmo com visões próprias e algumas vezes com opiniões divergentes, foi isso que tentaram fazer as pessoas que participaram no workshop. António Silva, de 53 anos, conta que nunca saiu muito da cidade e que, consequentemente, a conhece muito bem. Por isso, no seu azulejo escreveu “O-Porto-é-uma-grande-cidade” e não foram precisas muitas explicações para perceber porquê. Já Eduardo Mateus, um ano mais novo, demora um pouco mais de tempo a decidir como quer que seja a sua marca no painel. Depois de pensar durante algum tempo, exclama: “Já sei! Quero escrever ‘Valha-me Deus’!”. Depois do rascunho inicial, escreve mesmo “Vailha-me”. Mas é de propósito, porque tem de ter a pronúncia do Porto.

De braço dado aparecem Zulmira Serra e Luís Morais. Ela com 44 anos e ele com 42. Apesar de serem de clubes futebolísticos diferentes dão-se muito bem, garantem, enquanto dão a mão. No seu azulejo, Zulmira Serra homenageou o Benfica num desenho alusivo ao clube. Já Luís Morais escreveu “FCP” mesmo sendo sportinguista. “Posso ser do Sporting e gostar na mesma do Porto”, explica.

A variedade das respostas e das mensagens que as pessoas querem transmitir está muito presente neste projecto. Miguel Januário indica que, nos painéis realizados até ao momento, há “asneiras, frases políticas, coisas mais populares. Esse “bocadinho de tudo” resulta de uma “liberdade total” que é dada aos participantes.

Quando chegar a hora de começar a organizar os trabalhos produzidos, em meados de Maio, a montagem “não vai ser aleatória”, garante Miguel Januário. O painel vai começar a ser montado fora da parede através da numeração de cada azulejo que vai criar a sensação de degradé. Como trabalharam com pretos e cinzas, “para haver alguma coerência na composição, vai começar-se com brancos e acabar-se com pretos”, adianta o responsável. Maria João Lamas adianta ainda que “todos os azulejos produzidos vão ser aplicados”, estando incluídos no mural final.

O resultado final vai estar exposto no exterior de um edifício mesmo em frente ao armazém onde se estão a realizar os workshops. A ideia de Miguel Januário é preencher “toda essa parede com azulejos” e a inauguração está prevista para 27 de Junho, inserindo-se ainda nas comemorações do São João do Porto.

Portuenses ou não, profissionais ou amadores, quem ainda não teve a oportunidade de participar pode inscrever-se via e-mail e aparecer num dos workshops. Os que já contribuíram com um azulejo também podem regressar. As actividades realizam-se todos os domingos até dia 17 de Maio, das 10h às 12h e das 16h às 18h. Excepcionalmente, no dia 11 de Maio, pelas 16h, a iniciativa apresenta um workshop especial direccionado exclusivamente aos comerciantes da Rua da Madeira.

Texto editado por Ana Fernandes

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