Comprar pão com uma saca de pano tem desconto, mas isso não é o mais importante

Projecto A Saca do Pão d'Avó, da Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva, foi a única ideia portuguesa premiada na quinta edição da Semana Europeia da Prevenção de Resíduos

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Miguel Nogueira
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A saca de Carlos Fonseca é de linho manual da região de Oliveira de Azeméis, bordada há 66 anos pelas mãos da irmã da sua mulher com delicados desenhos de Viana. É nela que quase todos os dias leva pão para casa com direito a 10% de desconto na padaria Aipal, no centro de Espinho. “O desconto não é o mais importante. Sou contra a poluição, gastam-se tantos sacos inutilmente, há tanto lixo, não se sabe o que fazer com ele e isso tem custos”, comenta. . Não pelo desconto, mas pelo o que o gesto representa.

Quando ouviu falar no projecto A Saca do Pão d'Avó agarrou imediatamente a ideia e não mais a largou. Hoje não sai de casa para a padaria sem uma saca de pano na mão. "Qualquer dia temos de fazer uma passagem de modelos de sacas”, diz meio a sério, meio a brincar. “Antes de haver supermercados e hipermercados não havia a décima parte de poluição. Hoje em dia é quase tudo embalado e as embalagens vão morrer no lixo”. Acredita que o projecto poderá mudar hábitos muito enraizados. “Temos de lançar a semente à terra a ver se dá frutos”.

Gaspar Cadete já não larga a saca de pano. Guarda-a no bolso ou no carrinho de bebé da neta quando anda em passeio. A mulher está a terminar mais uma saca que será uma homenagem ao clube do peito, vermelha e branca às riscas. Lá em casa, não faltam sacas à antiga nem imaginação para as decorar. “Faz-me lembrar a minha meninice quando a minha mãe mandava-me à padaria comprar pão para a semana inteira”, recorda.

Gaspar Cadete confessa que essa ideia de levar o pão numa saca sem ser de papel ou de plástico andava a matutar-lhe na cabeça há algum tempo. Esteve mesmo para conversar sobre o assunto com os responsáveis pela padaria. Quando o projecto saiu à rua, aderiu de imediato. “É um contributo enorme. Esta prática é muito importante, hoje o pão é essencial para a alimentação, compra-se muito”, diz. O desconto na factura é um pormenor. “É um miminho”.

Rosa Maria também aderiu à ideia e é cliente assídua da Aipal. Abriu as gavetas de casa e encontrou várias sacas guardadas há 34 anos, desde o seu casamento. Escolheu as mais catitas e é com elas que sai para comprar pão. “Achei a ideia gira e poupa-se de várias maneiras. Se todos contribuíssem um pouco eram menos árvores que se deitavam abaixo”. E esse regresso ao passado sabe-lhe bem. “Voltamos ao antigamente e qual é o problema?”.

O prémio do projecto Saca do Pão d'Avó, conquistado numa das seis categorias da quinta edição da Semana Europeia da Prevenção de Resíduos, está exposto na zona de atendimento da Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva. À vista de todos. É uma peça que nasce de uma garrafa de plástico que o artista plástico italiano Antonio Jannacci moldou para fazer surgir duas figuras que se equilibram com as mãos dadas. Andrea Magalhães, bibliotecária, mostra-a com orgulho. Não é para menos. A esta iniciativa, que conta com o alto patrocínio do Comissariado Europeu para o Ambiente, candidataram-se 12.882 projectos de 23 países que foram reduzidos a 85 semifinalistas. A maior participação de sempre. E dos 380 projectos desenvolvidos no nosso país, e apoiados pela Lipor, apenas a saca de pano teve direito a prémio.

A ideia de recuperar uma prática que foi caindo em desuso, e com isso proteger o ambiente, surgiu, ganhou formas, e Andrea Magalhães e Sandra Vieira bateram às portas de todas as padarias de Espinho. Era preciso explicar o projecto e o desafio de diminuir a utilização dos sacos de papel e de plástico, incentivar o uso das sacas de pano e dar um desconto aos clientes que preferissem o tecido. Aderiram quatro padarias – Aipal, Pão Pepim, Pão Quente “Athena” e La Traviata – que não se confinaram à semana estipulada para o projecto, de 18 a 23 de Novembro do ano passado, altura em que cerca de 600 pessoas usaram uma embalagem de tecido para comprar pão. As sacas de pano continuam a circular pelo concelho. E todos ficam a ganhar. O pão que se conserva melhor numa saca de pano, o ambiente que não precisa de tanto papel e de plástico, as padarias que reduzem gastos, os clientes que têm um singelo desconto.

Andrea Magalhães recebeu o prémio, a peça escultórica, em Maio, em Roma, e não esquece as palavras do júri. “Referiu que era um projecto simples, mas que poderia ser muito eficiente e facilmente replicado em outros países”, recorda. “Este projecto saiu das portas da instituição, saiu da biblioteca, e isso é o mais importante”, sublinha.

Há três anos que a biblioteca municipal espinhense pensa em projectos na área ambiental, coloca-os no terreno, e candidata-os à iniciativa europeia. À terceira teve direito a prémio. No primeiro ano, o espaço público de leitura incentivou a troca de livros e decorou uma árvore de Natal natural com cápsulas de café. No segundo, tentou recolher bicicletas que já não funcionavam na perfeição para recuperá-las e emprestá-las a quem gostasse de pedalar. “Gostamos de participar e envolver os nossos leitores”, explica Andrea Magalhães.

Sacas de design moderno para cativar os jovens
A padaria Aipal aderiu ao projecto desde a primeira hora. Na sua sede, na Rua 19, no centro da cidade, como nas restantes sete lojas espalhadas pelo concelho de Espinho. Quem compra pão numa saca de pano tem direito a 10 por cento de desconto. A ideia foi tão bem recebida que a padaria quer produzir as suas próprias sacas de pano. “Com um design mais moderno para tentar chegar às camadas mais jovens”, revela Nunes da Silva, que gere o espaço juntamente com Álvaro Mendes.

A padaria quer aproveitar duas situações que lhe passam diante dos olhos: a vontade e entusiasmo das gerações mais velhas retomarem uma prática antiga e a consciência cada vez mais ecológica dos mais jovens. O projecto poderia ter durado apenas uma semana, mas a Aipal decidiu mantê-lo. Tal como o desconto. “É uma forma de desincentivar o uso do saco de plástico”, refere Nunes da Silva. E de dar continuidade à filosofia de protecção ambiental da padaria que no próximo mês celebra 50 anos de vida. “Temos preocupações ecológicas, proteger o ambiente é um dos nossos faróis de acção”. E não só teoria. “As nossas duas viaturas de transporte de materiais são eléctricas e pusemos no nosso telhado painéis solares para a produção de energias limpas”, exemplifica o responsável.

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