Em Aldoar e na Foz, há consultas financeiras gratuitas

A Ipsum Home é uma associação que ajuda famílias a resolverem os seus problemas económicos. Como esta, existem mais espalhadas pelo país. O desemprego e a falta de educação financeira são as causas principais das dificuldades.

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Existe uma rede de entidades para ajudar as pessoas de forma gratuita: a Rede de Apoio ao Consumidor Endividado (RACE) Fernando Veludo/NFactos
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A Ipsum Home foca-se também na parte educacional, não se limita a resolver os casos que aparecem Nélson Garrido

Uma associação está a providenciar consultas financeiras completamente gratuitas às terças-feiras, nas juntas de Freguesia de Aldoar durante a manhã e da Foz do Douro à tarde. A Ipsum Home, fundada em Junho de 2014, tem trabalhado nestas freguesias nos últimos nove meses para ajudar famílias a resolverem a sua situação económica.

“Cada caso é um caso”, diz Arnaldo Rodrigues, fundador da associação. Segundo explica, a maioria dos casos são de endividamento e atrasos de pagamentos. Há muitos ligados a uso desregulado de cartões de crédito, por exemplo, e de créditos à habitação. Boa parte dos requerentes são famílias carenciadas mas o responsável revelou que também há uma quantidade significativa de famílias de classe média a inscreverem-se. “Há muita vergonha e embaraço em requerer ajuda financeira”, afirma. Por essa razão, todas as consultas e as informações fornecidas são confidenciais.

Depois do pedido, a associação encarrega-se de acompanhar a família em todos os passos necessários para resolverem a sua situação em reuniões periódicas. Esta ajuda pode ser prestada de diversas formas, que vão de análises das contas a planos de reajustamento financeiro. Além disso, a Ipsum Home cria orçamentos familiares para que estas se consigam organizar mais adequadamente e não repitam os mesmos erros.

O auxílio também pode ser efectuado de forma presencial. “Tentamos resolver estes problemas conjuntamente com as famílias e junto da instituição em causa”, afirma Arnaldo Rodrigues. Sublinha que os seus representantes nunca se substituem às famílias mas acompanham-nas ao local e aconselham-nas em tempo real, explicando devidamente as condições antes de deixá-las tomar qualquer decisão.

Todos estes serviços são prestados de forma gratuita. Aliás, esta posição não foi apenas uma escolha, foi também uma obrigatoriedade apontada aquando da fundação da associação, inserida no programa de Acção Transversal Económica e Social da Universidade Católica do Porto.

Por não cobrar aos seus requerentes um valor monetário, a entidade teve de encontrar meios alternativos para se sustentar. Até agora, tem-se financiado através das quotas dos actuais 15 associados legais, do mecenato e das instituições sociais que a contrata. Conta ainda com uma crescente rede de apoios de outras instituições, particularmente nos casos que não consegue resolver sozinha. Estes apoios incluem, por exemplo, parcerias com gabinetes de contabilidade ou de advogados.

No decorrer destes nove meses, a associação ajudou cerca de 90 famílias. Apesar das dificuldades, a associação pretende continuar a expandir-se de forma sustentada e os planos incluem passar a prestar serviços não só em novas freguesias mas também em zonas de maior carência, como bairros sociais. O objectivo é abranger toda a área do Grande Porto.

“Não há educação financeira em Portugal”
O trabalho da Ipsum Home não se limita a resolver os casos que aparecem, focando-se também na parte educacional. Aliás, Arnaldo Rodrigues acredita que a maior ajuda dada às famílias encontra-se realmente no ensino destas, para que não caiam em armadilhas, e não apenas na resolução dos seus problemas.

“Não há educação financeira em Portugal”, lamenta o responsável, revelando que a maioria das pessoas desconhece os riscos económicos que corre. Esta foi uma das razões pelas quais a associação, na mesma altura em que começou a consultoria gratuita, lançou programas de educação económica com dez estudantes voluntários, das áreas de Economia e Gestão, tanto da Universidade Católica do Porto como da Faculdade de Economia do Porto.. A primeira experiência decorreu em Novembro no Colégio dos Salesianos, no Porto, para jovens do 1º ciclo ao ensino secundário. Agora, segue para o Colégio da Paz.

Além deste programa de ensino, a associação ainda tem uma vertente de formação em empreendedorismo onde realiza planos de negócio, ajuda a obter acesso a fundos comunitários e promove workshops.

Esta não é a primeira associação do género, existindo já várias iniciativas semelhantes há alguns anos um pouco por todo o país. Em Outubro de 2012, foi criada pelo Decreto-Lei nº 227/2012 a Rede de Apoio ao Consumidor Endividado (RACE). No seio desta rede, da tutela da Direcção-Geral do Consumidor, encontram-se actualmente 23 entidades, públicas e privadas, como associações, autarquias, centros de orientação e serviços de apoio, espalhadas por todo o território.

Prestam auxílio de forma semelhante à Ipsum Home, mas a sua estrutura de apoio é, no entanto, mais virada para situações que lidem com a banca. Não podem intervir quando os casos envolvem dívidas a órgãos públicos como o Fisco, nem quando estes já se encontram em tribunal.

Para oferecer esta ajuda às famílias de forma gratuita, as entidades privadas da rede recebem financiamento do Fundo para a Promoção dos Direitos do Consumidor, criado em Novembro de 2008 e com uma dotação inicial de 14 milhões de euros. Um dos maiores problemas apontados pelos representantes das instituições contactadas é a falta de divulgação dos seus serviços. As pessoas desconhecem a existência da RACE ou que toda a ajuda prestada é gratuita.

Fora da rede, existem ainda outros mecanismos que também oferecem um apoio semelhante. Um dos de maior destaque é o Gabinete de Apoio ao Sobre-endividado da DECO (GASDECO) e o SOS Famílias Endividadas. Este último divulgou à Lusa recentemente que, durante o ano de 2015, mais de 400 pessoas recorreram aos seus serviços, dos quais 41 avançaram com processos de resolução.

Ana Passos, representante no Porto do GASDECO, revela que só no ano 2014 foram realizados mais de 29 mil pedidos de ajuda a nível nacional, dos quais 2700 se tornaram processos de resolução. Segundo explica a responsável, cerca de 28% dos pedidos foram no Porto, valor igual aos executados em Lisboa. O mais próximo destes foi Aveiro, que ocupa o terceiro lugar com 6%.

A representante notou que em 2000, ano de criação do gabinete, tinham recebido apenas 120 pedidos e revelou que este número “cresceu de forma exponencial por causa da crise”. No ano de 2008, o GASDECO viu chegar 6700 pedidos. O desemprego é a causa principal das entradas em incumprimento. A economista da DECO sublinhou ainda a importância de actuar com antecedência em vez de arrastar o processo para os tribunais, onde as entidades de ajuda já nada podem fazer.

Paralelamente à crise ou ao desemprego, registou-se, durante muitos anos, um “assédio para contrair créditos” por parte dos bancos junto das famílias, acrescenta Ana Passos. A realidade dos créditos é avassaladora na vida das famílias. Há casos onde os créditos ocupam 75%, 90% ou até mesmo 100% do orçamento familiar. 

Todas estas entidades, tanto dentro como fora da rede, apontam para um problema maior: a falta de literacia financeira das pessoas. É por este motivo que todas possuem sistemas de educação financeira e todas acreditam que esta é a melhor forma de reduzir substancialmente o sobre-endividamento. 

Texto editado por Ana Fernandes

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