Diocese de Bragança-Miranda abre centro para restaurar arte sacra

Centro de restauro, que custou 140 mil euros, vai abrir na terça-feira em Sedim.

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Casos como o da espanhola Cecilia Gímenez vão ser, agora, mais difíceis de acontecer no Nordeste Transmontano. A zelosa paroquiana, que decidiu restaurar uma pintura do Ecce Hommo no Santuário da Misericórdia, em Saragoça, Espanha, em 2012, acabou por estragar a pintura do século XIX. Para evitar casos como este — que também já os houve em Portugal — a diocese do Nordeste Transmontano tem, a partir de terça-feira, um Centro de Conservação e Restauro de Arte Sacra de forma a evitar que esse e outros problemas surjam. Será, mesmo, a primeira diocese do país a apostar verdadeiramente num serviço semelhante.

“Temos um património riquíssimo na nossa diocese”, faz notar o padre António Pires, um dos mentores da ideia e grande impulsionador do projecto. O repto já fora lançado, há cerca de 15 anos, por D. António José Rafael, que era bispo na altura, mas só há seis é que a ideia começou a ganhar forma e conseguiu o impulso final já com o actual bispo, D. José Cordeiro, em 2012.

  

Agora, com o apoio da CoraNE — Associação de Desenvolvimento dos Concelhos da Raia Nordestina e de fundos comunitários, o projecto, que custou 140 mil euros, vê, finalmente, a luz do dia.

“Em muitas paróquias temos um património que nem conhecemos totalmente. Pela nossa experiência, constatámos que era necessário criar este centro a fim de ajudar as comunidades e os sacerdotes, numa vertente não só de intervenção, mas também num âmbito de prevenção e formação das comunidades, onde se incluem as camadas mais jovens, alertando-as para a importância do património que temos”, sublinha o sacerdote, que sempre teve um gosto especial pela arte sacra.

A escolha de Sendim para albergar este centro (que será integrado na Casa da Criança Mirandesa, em Sendim) acaba por servir não só uma lógica de descentralização de serviços de uma diocese que se pretende una mas, também, uma pacificação de feridas antigas, abertas no século XVIII com a mudança da sede da diocese e reabertas nos anos 1990, quando o nome passou, definitivamente, para diocese de Bragança-Miranda.

“Sendim está ligada a uma região que tem um excelente património. Uma região que tem uma grande sensibilidade cultural e com uma ligação ao seu património efectiva e afectiva. Sente-se que a comunidade gosta de interagir, com muitos zeladores e mordomos. Esta região reuniu as condições óptimas para que esta ideia se concretizasse”, explicou o padre António Pires ao PÚBLICO.

O local era um antigo prédio devoluto, que foi recuperado na totalidade. Fez-se uma oficina de 180 metros quadrados, servida, ainda, por três salas auxiliares, um espaço de higienização e um espaço para a inventariação e formação. E assim estão criadas as condições para um trabalho em pleno.

“O que se pretende fazer aqui na diocese, mas não só, é dar apoio de coordenação a outros trabalhos, mesmo que não sejam elaborados por nós. Funcionar como um órgão regularizador em todas as obras que envolvam o património da diocese”, explica Lília Pereira da Silva, a coordenadora do centro.

A historiadora de arte é natural de Abrantes mas há muito que se deixou adoptar pelo Nordeste Transmontano. É uma das cinco pessoas a trabalhar a tempo inteiro no local. “Temos a colaborar connosco, também, um colégio científico com três conservadores restauradores seniores com formação na área da pintura mural, pintura de cavalete, talha, escultura e madeiras, uma historiadora de arte e um membro do clero. Temos o conservador

restaurador sénior Joaquim Inácio Caetano, o Pedro Castro para a parte da talha e outra colaboradora para a parte de pintura”, explica.

Pedro Castro é um dos técnicos mais experientes a trabalhar em Portugal. Há seis anos radicado em Torre de D. Chama, no concelho de Mirandela, também no Nordeste Transmontano, faz parte do colégio de consultores e orienta, sobretudo, trabalhos em madeira que, em Portugal, nem sempre são bem tratados nas igrejas, muitas vezes por falta de formação ou mesmo excesso de voluntarismo.

“Aqui, devido ao problema das grandes amplitudes térmicas, muito frio e muito calor, temos algumas situações específicas às quais devemos prestar especial atenção. Temos também alguns problemas com térmitas em alguns suportes de madeira, que se têm revelado uma constante nas nossas igrejas. Só que, normalmente, as más intervenções têm sido o maior inimigo do nosso património”, lamenta Pedro Castro. “Também tem havido alguma falta de cuidados de conservação, que agora tentamos implementar junto das zeladoras para que haja um cuidado a posteriori. Não interessa apenas intervir para restaurar, mas sim também formar as pessoas que localmente ficam encarregues de cuidar de um património que é de todos nós”, sublinha o técnico.

Por isso, o padre António Pires adverte que é preciso “passar da constatação de problemas para a sua resolução, fundando mecanismos para que se possam abrir as portas da Igreja, tendo esta que estar bem cuidada”. Porque, “de facto, uma das dimensões da evangelização passa muito pela contemplação e pelo usufruto do património religioso”, conclui.

Na calha está já um outro projecto: o de um arquivo da diocese.

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