Deambulações pela Torre dos Clérigos

Estamos na cidade do Porto. Para chegar à Torre dos Clérigos pode entrar-se pelo norte do Jardim da Cordoaria.

Se está só, ou até acompanhado, dê um dedo de conversa com António Nobre, ali na sua solidão cósmica. Avance pelo jardim adentro, cheire as árvores e as flores. Respire fundo enquanto é Verão e os que mandam usufruem vivendas escondidas no Algarve ou hotéis de luxo entre arvoredos. Deixe-os tranquilos nas suas merecidas férias. Enquanto assim, não impulsionam novas formas de austeridade, tão novas que são sempre as mesmas. A imaginação criadora dos políticos tem mil formas. Cortes nos salários, nas pensões, no emprego. Investimentos muito lucrativos para o Estado. Nos bancos falidos, nos swaps, nas PPP, etc.

Aprecie o frontispício do Palácio da Justiça. A estátua da mesma. Deixe-se embeber no latinório “in vino veritas”.O vinho dá força à vida, disse há dias o Tribunal da Relação.  

Retome a marcha em sentido poente nascente, passe a Flora e cheire de novo as plantas, as flores e as árvores. Surgem agora dois largos em granito: um enorme que serve de feiras populares ao domingo e jogos de futebol e lutas de putos durante a semana. Neste, fica a Cadeia e Tribunal da Relação, hoje Centro Português de Fotografia (CPF). Foi prisão de Camilo, Felizardo de Lima, Alves dos Reis, Luís de Magalhães, Duque da Terceira e outros nobres e menos nobres.

Se flectir um pouco à esquerda, outro pequeno largo em granito. Já aí esteve a estátua do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, um democrata, um homem livre que o regime anterior, por aquele ser livre, o perseguiu. Desrespeitada por bandos de pombos vadios, a estátua mudou de poiso várias vezes que o bispo se desagradava deles.

Logo em frente, aí está a Torre dos Clérigos. Alta, enorme, solene, nos seus seis andares, 76 metros de altura e 240 degraus. Encima a cidade e já foi o edifício mais alto do país. Encima, espia e protege a Invicta! E encanta. É uma torre sineira que o povo desde sempre fez sua. Em multidão, ali se juntava a ver e apreciar os escaladores da sua torre. E dela se orgulha. Com ela se identifica.

Um projecto do pintor e arquitecto italiano Nicolau Nasoni. Estilo barroco. Está integrada num conjunto com a Igreja dos Clérigos. Mandada construir pela Irmandade dos Clérigos dos Pobres, entre 1754 e 1763. Em granito e mármore, em especial. A ideia inicial dos Clérigos era a de que se construíssem duas torres. Nasoni, rebelde que era, projectou uma só. E lá está desde meados do séc. XVIII.

Comemora-se o seu 250.º aniversário.

A Torre sempre foi predilecta de fotógrafos, intelectuais e proletários, desde que aberta ao povo a 15 de Agosto. Pinheiro da Rocha, Domingos Alvão e Álvaro Azevedo destacam-se nesse elenco de fotógrafos que levaram a Torre dos Clérigos a todo o sítio da cidade, às livrarias, aos cafés, aos bairros, às ruelas.

Na comemoração, o CPF organizou e tem aberta ao público uma exposição de dezenas de fotografias da Torre dos mais variados e consagrados fotógrafos. Não é de perder. E de aproveitar para apreciar a exposição de mais de um milhar de máquinas fotográficas dos mais diversos modelos. A maior da Europa.

Mas sobretudo, ganhe fôlego e coragem. Suba os 240 degraus da Torre. Olhe bem para ela e para a cidade vista lá de cima.

Se é portuense, fica mais. Se não é, vai ficar.

Desça que é tarefa muito mais simples.

De costas para o Jardim da Cordoaria, voltado a Norte, está Ramalho Ortigão. Preste alguma atenção às suas Farpas de inícios do século passado. Vai ver que o nosso mundo pequenino é ainda pequenino.

O autor é Procurador-Geral Adjunto

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