De Espinho para o país: uma peça dentro da barriga com mãos-mães

Descobridores é o espectáculo para bebés do Teatro e Marionetas de Mandrágora que se estreia este sábado com bonecos de trapos.

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Tudo acontece numa tenda feita com remendos em tons de azul DIOGO BAPTISTA
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DIOGO BAPTISTA

A linha condutora da história apenas interessará aos adultos. Não há propriamente um princípio ou um fim. Os bebés estarão mais concentrados no que acontece naquela pequena ilha redonda e castanha, círculo de pano que é a terra, com meninos e meninas de trapos de vários países e cores que ganham vida pelas mãos-mães feitas de tecidos. Admirados com os novelos azuis que formam bolas no ar, o gato preto, a árvore que ganha tronco, o pássaro que voa por cima das cabeças, aquela espécie de dragão colorido que gosta de brincadeira ou com o elefante suspenso por um fio. Ouve-se o barulho do mar e das gaivotas, canções de embalar, a voz meiga de uma mãe que é de todos e que viaja por várias geografias.

Descobridores é a mais recente criação do Teatro e Marionetas de Mandrágora, instalado em Espinho, que estreia este sábado no Cinema Teatro Joaquim d’Almeida no Montijo às 15h30. O PÚBLICO acompanhou o ensaio antes da partida do espectáculo que, por enquanto, tem 16 datas marcadas em oito municípios até final do ano.

A peça acontece numa tenda feita com remendos em tons de azul. Um abrigo acolhedor, metáfora do ventre materno, sinónimo de tranquilidade. “Quando entrarem há um mundo que fica cá fora”, avisa a mãe-actriz que embala uma boneca de trapos e descalça os sapatos para entrar. O aviso é para os pais porque lá dentro há muitos mundos para descobrir. Terras de cores, sons, cheiros. Em cada terra, uma mãe de carne e osso e um menino ou menina de trapos. Em Portugal, um gato brinca com uma menina que desperta. No Brasil, há pássaros com vontade de voar. Em África, brinca-se no chão, na terra Na Índia, está uma menina vestida a preceito. Em Macau, o dragão salta e salta a mostrar o ar da sua graça. Em Timor, há mais brincadeiras. A mãe tem mãos de trapos de cores diferentes que dançam, embalam, tocam.

Não há pressas, respira-se calmamente naquela tenda transformada em lugar de afectos. Pedro tem 15 meses, olhos arregalados. Quer tocar nas bolas que andam pelo ar, nos bonecos de trapos. As histórias continuam com sons, ritmos, elementos visuais, meninos e meninas que ganham vida e se agarram às mães. São cerca de 40 minutos numa barriga-palco de descobertas. E a viagem não termina aqui, há muita vida pela frente. Respira-se com calma.

O ensaio termina, o bebé Pedro continua entusiasmado com as bolas-novelo azuis. A peça tem ainda uma exposição agregada à tenda, no seu exterior, com elementos cénicos da história, bonecos de trapos, mãos de várias cores, pássaros, e outros objectos. Tudo à disposição, tudo para ver, brincar ou admirar. Há espaço para isso tudo ou simplesmente para estar e descansar. A vontade é que manda.  

Dez anos depois de ter criado um espectáculo para crianças, o Teatro e Marionetas de Mandrágora, companhia profissional fundada em 2002, volta a olhar atentamente para um público infantil. Filipa Mesquita, actriz, marionetista, encenadora, produtora e investigadora, a mãe desta peça, leva muito a sério a criação para bebés e crianças. Tem inclusive escrito sobre o assunto. Está atenta às reflexões que são feitas. Depois do ensaio, pede aos adultos que voltem a entrar na tenda para escutar opiniões. Há aspectos a aprimorar, porventura objectos a incluir, interacções a estabelecer neste espectáculo que está pronto para ir para a estrada.

Descobridores, peça coproduzida com a ArtemRede – Teatros Associados e com apoio da Direcção-Geral das Artes, demorou um ano a ser construído, pensado, maturado.”A ideia foi criar ritmos, sensações, universos visuais e rítmicos distintos”, explica Filipa Mesquita. A actriz fala de troca de afectos, de tranquilidade que o som da água transmite, dos elementos cénicos feitos à mão para captar a atenção desse público exigente. “Explorar o universo de um público mais pequeno é um desafio muito grande. É um público que não critica, mas que se manifesta”, comenta. Do lado da plateia do ensaio, um dia antes de meter a tenda na mala, a encenadora escuta palavras de elogio, de incentivo, de reajustes na interacção entre objectos, entre pais e filhos. O feedback é sempre importante. Filipa continua a querer virar do avesso as peças para compreender dinâmicas. Até porque o espaço das brincadeiras já não é o mesmo. “Já não há rua, esta é a nossa rua”. Neste caso, uma rua que é uma tenda que é o ventre materno.

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