Comunidade cigana de Beja constrói barracas para ter acesso ao RSI

A integração das minorias étnicas no Alentejo continua a revelar-se dolorosa. Persiste o desfasamento entre objectivos e regras sociais que as instituições públicas pretendem aplicar e os valores e modos de vida das famílias ciganas.

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Enric Vives-Rubio
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Desde que, há duas décadas, foi instituído o rendimento mínimo garantido (RMG), as famílias ciganas que fazem do nomadismo o seu modo de vida foram forçadas a construir barracas para poderem cumprir um dos requisitos impostos pela Segurança Social para a atribuição do subsídio. Hoje, o crescimento exponencial destes aglomerados, como é o caso do Bairro das Pedreiras de Beja, fez com que a situação se tornasse explosiva.

A Lei n.º 13/2003 que institui o rendimento social de inserção (RSI) e replica o que estava inscrito Lei n.º 19-A/96, que estabelecia as regras de acesso ao RMG, exige que o candidato a beneficiário “possua residência legal em Portugal”. Assim, a alternativa mais viável para as famílias nómadas está na construção de uma barraca ou a instalação de uma roulotte no local onde venham a requerer este tipo de apoio do Estado.

O Bairro das Pedreiras construído pela Câmara de Beja, em 2006, para alojar meia centena de famílias ciganas sedentárias que viviam num bairro de lata na periferia da cidade, boa parte erguido em função do RMG, é um exemplo concreto. Deste equipamento faz parte um espaço com cerca de um hectare destinado a acolher, temporariamente, as famílias que andam em itinerância por diversos concelhos alentejanos. Com o decorrer dos anos, este modelo de integração foi completamente desvirtuado e transformado num permanente foco de conflitos de difícil gestão para Câmara de Beja.

Hoje, é um bairro sobrelotado onde residem cerca de 600 pessoas, quase o triplo das que foram instaladas no dia 5 de Janeiro em 2006 (pouco mais de 200) e o município corre o risco de perder o controlo da situação com a instalação progressiva de barracas.

Confrontada com uma situação que classificou de “insustentável”, a Câmara de Beja notificou as famílias nómadas de que teriam de abandonar o local até à passada terça-feira, alegando que a sua presença “violava o diploma legal” que impede “os acampamentos ocasionais sem o prévio licenciamento municipal”. Se permanecessem no local, a autarquia iria proceder “à execução coerciva da retirada do acampamento ocasional ilegal”. Acontece que algumas dessas famílias são descendentes das que vivem nas casas construídas pelo município de Beja e que registam altas taxas de natalidade. Os 50 fogos construídos em 2006 depressa se revelaram exíguos para o crescimento do agregado familiar.

“Querem que a gente saia, senão vem a polícia do capacete [corpo de intervenção] para dar porrada”, diz ao PÚBLICO Manuel António Reis, que diz ter cinco filhos, dos quais quatro frequentam o ensino básico. Pede apenas “um bocadinho de espaço para os filhos”, explicando que se sair dali “não há condições para ir para outro lado”. Com efeito, a legislação em vigor proíbe o que designa por “acampamentos ocasionais” e são raros os concelhos alentejanos que têm parques nómadas.

Também Mónica da Silva Reis, que se apresenta rodeada de três crianças com idades inferiores a cinco anos, reclama “um bocadinho de terreno no lugar das bestas”. A sua mãe explica porquê: “As casas estão cheias e os filhos têm de vir cá para fora.” Daí instalarem uma barraca no espaço para a comunidade nómada.

João Manano, que diz que tem mais de 90 anos e aparece apoiado em duas canadianas, comenta: “Estou a penar o que os cães não querem.” Vive numa caravana e deixa no ar uma ameaça: “Se me mandam embora, mato-me aqui.” “É a emoção do momento”, comenta o mediador cigano Prudêncio Canhoto, que acompanha o PÚBLICO na visita ao bairro. A ele compete-lhe transmitir as decisões do município sobre a delicada situação. “Estou a tentar tudo por tudo para que não haja conflitos. É uma tarefa delicada a que tem de gerir, pois é membro da comunidade cigana e trabalha para a autarquia.  

O Instituto da Segurança Social confirmou ao PÚBLICO ter conhecimento da situação através das famílias que se dirigiram ao Atendimento de Acção Social e refere que “sem estabilidade habitacional os agregados [familiares] poderão não cumprir as acções inscritas nos contratos de inserção, nomeadamente ao nível da educação e formação profissional”.

O que acontece é que as famílias ciganas reclamam junto da Segurança Social o direito a uma habitação. Esta entidade encaminha-as para a Câmara de Beja. A autarquia não aceita a responsabilidade de ter de assegurar habitação a todos os que a reclamam. O vereador da Câmara de Beja Vítor Picado, com o pelouro da Acção Social, disse ao PÚBLICO ter inscritas 460 famílias que solicitaram habitação. “É manifestamente impossível, inscrever mais candidaturas, quando nem sequer temos condições para satisfazer as que já temos.” Além do mais, prossegue , “a responsabilidade do município circunscreve-se à área da educação”.

A ameaça de intervenção das autoridades provocou a debandada de cerca de três dezenas de famílias ciganas que tinham vindo de outros concelhos e, no dia programado para a intervenção da PSP, a “acção coerciva” não aconteceu. Vítor Picado adiantou ao PÚBLICO que o município suspendeu a decisão depois de constatar a saída de um número substancial de famílias. “Agora já é possível tentar resolver a situação daquelas que são de Beja [e que há anos vivem em barracas].”

Pedro Calado, do Alto Comissariado para as Migrações, reconhece que ainda existe um “número significativo” de famílias ciganas a viver em barracas, como acontece nas Pedreiras, um problema que diz estar  a ser acompanhado. Calado regista com agrado a decisão da autarquia de “não avançar para demolição” das barracas como estava programado.

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