Cheira mal, cheira a Cacia

Há dezenas de anos que esta vila do concelho de Aveiro é afectada pela poluição. Agora, há quem garanta que a situação tem vindo a agravar-se, falando em “descargas poluentes de forte intensidade para a atmosfera”.

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A introdução de portagens nas ex-SCUT fez aumentar o tráfego automóvel na freguesia Adriano Miranda

Se há terras que têm uma imagem de marca negativa, Cacia é, sem sombra de dúvida, uma das mais conhecidas. Quem costuma viajar de comboio na linha ferroviária do Norte, ou de carro ao longo da Auto-Estrada nº 1, consegue identificar facilmente a aproximação a esta vila de Aveiro. O problema é antigo, e parte da população até já conseguiu habituar-se a conviver com os maus cheiros oriundos da fábrica de celulose existente na freguesia. Mas há quem garanta que a poluição atmosférica na vila tem vindo a agravar-se, colocando em risco a saúde da população.

Segundo alerta António Pinho, vice-presidente da Associação de Defesa do Ambiente de Cacia e Esgueira (ADACE), “além de terem sido notados, recentemente, cheiros mais intensos, verifica-se que há cada vez mais pessoas a sofrer de alergias na pele e alergias respiratórias”. O motivo? “Começou com a poluição da Portucel, mas foram-se instalando aqui cada vez mais indústrias e agora cheia a tudo em Cacia, até a amoníaco e a peixe podre”, aponta António Pinho.

Importa lembrar que, além da fábrica de papel, esta freguesia de pouco mais de 38 mil quilómetros quadrados acolhe outras indústrias de referência, como é o caso das fábricas da Renault e da Bosch.

“E para juntar a toda a poluição que já tínhamos, passámos a ter um aumento exponencial do trânsito automóvel na freguesia. Com a introdução de portagens nas ex-SCUT, o tráfego passou todo para a EN 109”, afirma ainda António Pinho.

“Cacia está numa degradação total”, diz o dirigente da associação que, a 31 de Janeiro, escreveu ao ministro do Ambiente e Ordenamento do Território dando nota da ocorrência de “descargas poluentes de forte intensidade para a atmosfera”, e especificando com um caso registado “no dia 29 de Janeiro, cerca das três horas da madrugada”. “Registámos, com muita apreensão, descargas químicas muito violentas para a atmosfera e o seu efeito prolongou-se até ao dia seguinte”, denunciou a associação.

Nessa missiva, e perante “esta problemática, que longe de ser nova tem picos que assumem verdadeiras cenas dramáticas para a fauna e flora", além de que "provocam verdadeiros ataques de pânico a quem já não possui um aparelho respiratório saudável”, a ADACE solicitava ao ministro que fossem feitas averiguações para apurar o que estava acontecer.

Passadas duas semanas, a associação ainda não recebeu qualquer resposta por parte da tutela. “Ainda ninguém nos respondeu”, lamentou António Pinto, vice-presidente da ADACE, ao mesmo tempo que especificava que foi dado conhecimento da missiva a várias entidades, nomeadamente à câmara de Aveiro. “Só a presidente da junta de Esgueira é que nos recebeu, e a equipa do Serviço de Protecção da Natureza (Sepna) da GNR ligou-nos a dizer que iam andar mais atentos”, acrescentou o dirigente da associação de Cacia.

Mais recentemente, esta semana, por iniciativa do deputado José Luís Ferreira, do grupo parlamentar “Os Verdes”, o governo voltou a ser confrontado com a situação da vila de Cacia. Na pergunta que entregou na Assembleia da República, o parlamentar questiona se “o Ministério do Ambiente tem conhecimento de que na freguesia de Cacia se têm acentuado os maus cheiros, insuportáveis para a população”, indagando ainda quando é que a tutela equaciona resolver este problema.

Câmara redobra atenção
Contactado pelo PÚBLICO, Ribau Esteves, presidente da câmara de Aveiro, diz ter tomado conhecimento do ofício enviado pela ADACE ao Ministério do Ambiente, contudo, acrescentou: “Nos contactos permanentes que temos tido, tanto com o senhor presidente da junta, como com a população, nunca nos foi referido algo semelhante ao que é dito pela associação”. Ainda assim, e “mesmo não tendo qualquer indício de que tenham existido estas descargas poluentes violentas”, Ribau Esteves garante que a câmara de Aveiro redobrou a sua atenção em relação àquela zona do concelho.

As declarações do autarca (eleito pela coligação PSD/CDS/PPM) acabam por ir ao encontro do testemunho de alguns habitantes ouvidos pelo PÚBLICO. “Já ouvi falar dessas queixas, mas, na zona onde moro, não tenho sentido que haja mais poluição”, relatou Paulo Gomes, ao mesmo tempo que notava que, pelo contrário, houve até melhorias, uma vez que o aterro sanitário da ERSUC – entidade que gere os resíduos sólidos da Região Centro foi encerrado. “Na Quintã do Loureiro, sentíamos muito o cheiro da lixeira, mas isso acabou, felizmente”.

Também Rosa Maria diz não ter sentido qualquer agravamento dos “cheiros” na freguesia. “Mas isto também depende muito do vento e das condições do tempo”, relata esta habitante de Cacia, a propósito daquele que é o dia-a-dia na vila. “Acho que já nos habituámos todos ao cheiro da fábrica de celulose e quase já nem sentimos”, acrescenta.

Enquanto aguarda por uma resposta do Ministério do Ambiente, a ADACE prepara já novas medidas para reclamar soluções urgentes. Uma das iniciativas que está já a ser preparada passa por um inquérito à população para tentar aferir qual a percepção que têm sobre a poluição ambiental no seu local de residência. “Queremos demonstrar aos governantes que esta é uma questão real”, justifica o vice-presidente daquela associação.

O inquérito, que deverá começar a chegar à população no próximo mês de Março, quer ainda apurar se “as pessoas acham que há relação entre o local onde vivem e o seu estado de saúde”. 

 

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