Centro da Memória Judaica do Porto abre polémica violenta entre rabino e padre católico

Rabino e comunidade consideram projecto “ignominioso” e chegam a associá-lo à Inquisição e mesmo ao nazismo. Padre Jardim Moreira lamenta acusações “descabidas” e garante que vai continuar com o projecto.

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Na origem do projecto do centro da memória Judaica está o ehal descoberto no centro paroquial Bárbara Raquel Moreira

O Centro Interpretativo da Memória Judaica e Cristã-Nova do Porto ainda não saiu do papel, mas já provocou um conflito entre responsáveis religiosos judaicos e católicos da cidade.

Em duas cartas enviadas ontem ao patriarca de Lisboa e ao presidente da Câmara do Porto (CMP), o rabino da comunidade israelita do Porto, Daniel Litvak, e a direcção da comunidade exigem o cancelamento do projecto que consideram “ignominioso” e dizem-se mesmo dispostos a comprar o edifício reservado ao projecto.

Os judeus não querem um padre católico a gerir o centro que será criado num velho edifício da Vitória, próximo do Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora da Vitória, presidido pelo padre Agostinho Jardim Moreira. Neste equipamento católico foram encontrados vestígios de uma antiga sinagoga, nomeadamente um ehal, nicho onde se guardava a Tora.

“Achamos malévolo e maquiavélico que um padre da Igreja Católica, [entidade] que foi responsável pela tragédia da judiaria portuguesa e de uma das épocas mais obscuras da História de Portugal, dirija semelhante projecto. Dada a trágica história do judaísmo em Portugal, para nós um museu do judaísmo em Portugal seria uma espécie de Museu do Holocausto, e faz-me recordar o maléfico plano nazi para estabelecer um museu em Praga, em memória de um povo desaparecido, assim que terminassem de implementar a sua ‘solução final’ para o tema judaico”, diz o rabino na carta à qual o PÚBLICO teve acesso.

O padre Jardim Moreira, que lançou a ideia da criação do centro judaico cujo financiamento foi chumbado pelo QREN – como o PÚBLICO noticiou nesta segunda-feira – considera as acusações “descabidas”. “O meu amor pelos judeus mantém-se. Não me vou ofender com isso. Costumo dizer que sem judaísmo não existiria cristianismo. Vou continuar com o projecto. Que poder têm para proibir um projecto que serve para manter o património e a cultura judaica?”, questiona.

O padre recorda mesmo que “o Papa já pediu perdão pela Inquisição e agora come à mesa com rabinos de quem é amigo. Estas pessoas estão em contracorrente. Não vou contribuir para essa 'guerra santa'”, sublinha o pároco que a 14 de Janeiro acolherá no Porto, em conjunto com a Rede de Judiarias de Portugal, o Encontro Diálogo e Reconciliação. Para esse encontro, o padre diz contar com “simpáticas” comunidades judaicas de todo o país, menos com a do Porto, que, salienta, convidou.

Esse “encontro ecuménico é uma burla”, reage o rabino, que considera o projecto do centro uma “agressão ao judaísmo”. Já a Direcção da Comunidade Israelita, que recorda os “actos inquisitoriais acompanhados pelo roubo de propriedade judaica”, diz que é “irónico” que um edifício católico erguido na então sinagoga agora albergue um centro de memória judaica.

A comunidade acusa também a autarquia de nunca a ter ouvido sobre o assunto. Em Julho de 2013, a Câmara e a Assembleia Municipal do Porto aprovaram a cedência de um imóvel devoluto ao centro paroquial para a instalação daquele projecto. A CMP não respondeu ontem às perguntas do PÚBLICO.

A comunidade judaica revela-se ainda surpreendida com as sucessivas notícias sobre o avanço do projecto, já que nas várias reuniões realizadas, no ano passado, com o padre Jardim Moreira sempre transmitiu que considera o projecto de “muito mau gosto” e "susceptível de gerar revolta em muitos sectores do povo judeu”.

Na missiva, os responsáveis judeus acusam igualmente o padre de estar a “tentar obter protagonismo à custa do povo judeu” e comunicam a intenção de “comprar o edifício”, “devendo a paróquia da Vitória aceitar vender e encontrar uma alternativa para o lar de idosos”. Porém, Jardim Moreira recorda que já houve uma altura em que “isso foi proposto e não quiseram". "Isso está agora fora de questão”, garante.
 
 
 

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