Centenas de sem-abrigo encheram Metro da Pontinha para almoço de Natal

Mais de 300 sem-abrigo que vivem nas ruas de Lisboa encheram hoje a cantina do Metropolitano, na Pontinha, para confraternizar num almoço de Natal em que não faltou o tradicional bacalhau com broa e o bolo-rei.

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Vieram sem-abrigo da Gare do Oriente, do Rossio, do Terreiro do Paço e de outros locais da cidade Enric Vives-Rubio

A azáfama começou logo pela manhã nas instalações do Metropolitano de Lisboa, com várias dezenas de voluntários a preparar tudo para receber num “ambiente acolhedor e humanizado” os sem-abrigo das zonas de Santa Apolónia, Gare do Oriente, Rossio, Terreiro do Paço, Campo das Cebolas, Cais do Sodré, e S. Jorge de Arroios de Lisboa.

 

Às 14h00 já tinham sido servidas mais de 300 refeições. “A sala já esgotou, as pessoas já se levantaram e sentaram-se outras”, disse Guilherme Rodrigues, funcionário do Metro e um dos responsáveis da CASA - Centro de Apoio ao Sem-Abrigo, promotora da iniciativa, que se assinala pelo quarto ano consecutivo.

Para preparar as refeições foram necessários 100 quilos de bacalhau, 100 quilos de perninhas de frango, 30 litros de azeite, 80 quilos de batatas, 10 quilos de arroz e 30 quilos de borrego.

O menu foi preparado pela voluntária Lurdes Nogueira nas instalações da Polícia Judiciaria, onde cozinhou bacalhau com broa, perninhas de frango com castanha, batata assada, arroz árabe e borrego.

Para adoçar o final da refeição, foram servidos vários doces, como pudim de ovos, bolo de ananás, salada de frutas e bolo-rei.

“Foi uma grande trabalheira, mas muito reconfortante”, disse Lurdes Nogueira, voluntária da associação.

Foi a primeira vez que Vítor Costa, 59 anos, participou neste almoço de Natal e ficou surpreendido: “É uma coisa bem organizada, devia ser todos os dias, mas também era muito.”

Para Vítor Costa, é uma forma de quem faz da rua a sua casa também poder viver o espírito natalício. “Nestas alturas temos de dar a mão uns aos outros, ajudarmo-nos e mostrar aos grandes políticos como é que se vive com pouco ou sem nada.”

“Muitas vezes as pessoas têm vergonha de pedir e preferem andar no lixo. A vergonha é má, porque é como se estivesse a roubar e fosse apanhado e aqui não se está a roubar”, adiantou.

À festa faltaram os novos sem-abrigo, os que ainda se escondem por vergonha. “Há uma nova realidade que é de facto preocupante. São pessoas que ainda têm dinheiro para pagar a água e a luz mas têm de fazer escolhas e dirigem-se a nós à procura de alimentação”, contou Ana Marques.

Guilherme de Oliveira acrescentou que, apesar do número de participantes no almoço de Natal ser “sensivelmente o mesmo” dos anos anteriores, os pedidos de ajuda têm vindo a crescer.

“Eu quando digo boa noite e a pessoa responde com os olhos no chão e o saco aberto, já sei do que se trata. São pessoas que ainda tem casa, mas o dinheiro já não chega e como damos uma refeição com garfo as pessoas procuram-nos”, contou o voluntário.

Apesar de serem em “pequeno número”, também já aparecem crianças a pedir ajuda, uma situação que choca Guilherme Rodrigues. “Nós vamos criando calo e ficando menos sensíveis, mas choca-me quando são crianças e idosos, comovo-me imenso”, confessou.

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