Câmaras reforçam protecção dos azulejos, mas furtos estão a aumentar

Em Lisboa e em Vale de Cambra já é proibida a demolição de fachadas azulejadas e a remoção dos azulejos das paredes. É o "início de uma nova era", diz a responsável pelo projecto SOS Azulejo, ressalvando que ainda há muito a fazer.

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Quando começam a faltar azulejos nas paredes, os ladrões de azulejos têm a tarefa facilitada Enric Vives-Rubio
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No Banco de Materiais do Porto há milhares de azulejos para ceder aos munícipes, de forma gratuita

A 3 de Abril um homem de 59 anos foi detido em flagrante pela PSP de Lisboa, à hora do almoço, a roubar azulejos do interior de um prédio situado em Belém. Tinha uma caixa cheia na mão, outra pronta para levar. O ladrão já tinha sido detido 15 dias antes pelo mesmo motivo e é suspeito de “inúmeros” furtos de azulejos, um crime que está a aumentar desde o ano passado apesar dos esforços das autoridades, autarquias e até da sociedade civil para proteger este património.

Em 2014 a brigada de obras de arte da PJ de Lisboa investigou dez furtos de azulejos (houve 14 no país todo), mais quatro do que no ano anterior. E só no primeiro trimestre de 2015 recebeu seis participações por crimes desta natureza. “No ano passado houve um aumento significativo de furtos de azulejos em grandes quantidades, sobretudo de azulejos de padrão”, diz Óscar Pinto, coordenador da brigada, ressalvando que nem todos os furtos são denunciados. Mesmo os casos que chegam à PSP ou à GNR podem não ir parar à PJ. Ou seja, os números pecam por defeito.

A maioria dos furtos de azulejos ocorre na zona de Lisboa, onde está concentrada a maior parte do património azulejar português. A época mais “negra” situou-se entre as décadas de 1980 e 2000, durante as quais houve uma perda estimada (segundo números da autarquia) de 25% dos azulejos artísticos existentes na capital. Nos finais da década de 1990 e início dos anos 2000, a PJ investigava em média 30 furtos destes materiais por ano, sendo que um só caso podia envolver milhares de unidades - e milhares de euros.

O número de furtos começou a diminuir após a criação do projecto SOS Azulejo, em 2007. Segundo o inspector Óscar Pinto, em 2010 a PJ investigou 12 casos, oito em 2011, seis no ano seguinte e seis em 2013. Mas em 2014 a tendência inverteu-se. A própria sociedade civil, organizada em grupos activos nas redes sociais (como o Património em Perigo e o Azulejos de Lisboa) e em blogues (como o Cidadania Lx), tem denunciado inúmeros furtos.

“Sem qualquer fundamento científico, penso que este aumento está, pelo menos em parte, relacionado com o aumento do turismo”, afirma o coordenador. Os pequenos quadrados de cerâmica que revestem milhares de paredes e fachadas de prédios da capital atraem cada vez mais a atenção dos turistas. E se uns se contentam com fotografias ou postais, outros preferem levar azulejos como recordação. O problema, comenta Óscar Pinto, é que muitos dos exemplares que estão à venda em locais como a Feira da Ladra resultam de furtos.

No ano passado, uma iniciativa de Rosa Pomar, pós-graduada em História Medieval e investigadora na área dos têxteis tradicionais portugueses, agitou consciências: um cartaz mostra a fachada azulejada de um prédio, onde faltam já diversos azulejos, e nesse espaço livre lê-se “Please don’t buy azulejos at flea markets or antique shops, this is where all of them come from” (Por favor não compre azulejos nas feiras de velharias ou nas lojas de antiguidades, é daqui que todos eles vêm). Os responsáveis pelo projecto SOS Azulejo, coordenado pelo Museu da PJ e que visa proteger o património azulejar, aproveitaram a deixa e juntaram-se à iniciativa, mas cortaram a parte da frase que alude aos locais de compra.  

O combate aos furtos e à destruição dos azulejos figurativos, desenhados à mão, mais comuns no interior de monumentos ou de edifícios de arquitectura distinta, tem beneficiado da divulgação das fotografias dos painéis no site do SOS Azulejo. Já a protecção dos azulejos de padrão, tipicamente utilizados para cobrir fachadas, é mais difícil. "Os vendedores dizem que são originários de demolições e isso é perfeitamente possível, pelo que não há muito a fazer", explica Leonor Sá, coordenadora do projecto.

Por isso é que a medida tomada em 2013 pela Câmara de Lisboa para travar a demolição de fachadas azulejadas, resultado de uma proposta do SOS Azulejo, representa "o início de uma nova era”, sublinha Leonor Sá.

O novo Regime Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa, publicado a 16 de Abril de 2013, proíbe a remoção de azulejos das fachadas bem como a demolição de fachadas revestidas a azulejos “de qualquer edificação, salvo em casos devidamente justificados, autorizados pela Câmara Municipal”. A medida não se aplica a novos projectos cujas licenças sejam anteriores à data da publicação do regulamento – motivo pelo qual este ano houve pelo menos duas demolições de prédios com fachadas azulejadas, segundo a coordenadora do SOS Azulejo. Mesmo assim “é uma mudança de 180 graus na defesa do património azulejar”, afirma, admitindo porém que faltam medidas mais apertadas para proteger os azulejos de interior, salvaguardados apenas quando os edifícios são classificados.

Através de uma parceria com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, o SOS Azulejo está a tentar que todas as câmaras copiem o modelo de Lisboa. A ideia foi bem acolhida pela Câmara de Vale de Cambra, no distrito de Aveiro, que alterou no mês passado o regulamento municipal de urbanização incluindo proibições iguais às de Lisboa, embora não exista no concelho um património azulejar muito rico. "Entre ter um regulamento que nos obrigue a avaliar cada caso e a pensar na necessidade de preservar os azulejos, e não ter nada, preferimos ter”, justifica o presidente da câmara, José Pinheiro.

Ainda no norte do país, as câmaras de Aveiro, Ovar e Porto criaram há vários anos bancos que recolhem e restauram azulejos (entre outros materiais de construção civil com valor arquitectónico, provenientes de demolições), que são depois cedidos gratuitamente aos munícipes. No Banco de Materiais do Porto, por exemplo, existe um acervo com quase 4500 padrões e nos últimos quatro anos foram cedidas cerca de 7300 unidades. "Temos muitos pedidos, infelizmente não podemos responder a todos", diz a coordenadora, Maria Augusta Marques.

Em Lisboa, um dos objectivos do Programa de Investigação e Salvaguarda do Azulejo de Lisboa (PISAL), aprovado no final de 2011, era precisamente a criação de um Banco Municipal do Azulejo, que funcionaria como centro de investigação e de recolha dos mosaicos provenientes das intervenções de reabilitação urbana. Actualmente, o acervo municipal de azulejos está no Museu de Lisboa, que tem cerca de 10 mil unidades disponíveis para ceder, com perto de 25 padrões distintos. “Não temos capacidade física para manter isto tudo, faz sentido que os azulejos sejam reutilizados”, diz António Miranda, director do espaço.

Em Fevereiro do ano passado, em resposta a um requerimento do Partido Ecologista Os Verdes na Assembleia Municipal, a vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, disse que existia já uma proposta de constituição do Banco. Porém, a medida tarda em avançar. Ao PÚBLICO, o director do Departamento de Património Cultural, Jorge Ramos de Carvalho, disse que está para breve a criação de uma “equipa fixa” na câmara dedicada em exclusivo às questões do azulejo. Até aqui, as tarefas previstas no programa – como a elaboração das Cartas do Azulejo e de Salvaguarda, a realização de acções de sensibilização e a participação em programas de investigação sobre o tema – foram realizadas por elementos de vários serviços camarários, a tempo parcial. “É preciso ter alguém em permanência a trabalhar nisto”, diz o arquitecto.

Segundo Ramos de Carvalho, o município irá “criar um grupo de trabalho a que todos os serviços tenham que responder”, desde a gestão urbanística à reabilitação urbana.

Notícia corrigida às 11h de 22/04: a proibição de demolir fachadas azulejadas resultou unicamente de uma proposta do SOS Azulejo, sem qualquer intervenção do PISAL

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