Câmara do Porto acusa Justiça de "incapacidade" face ao tráfico de droga no Aleixo

Demolição da torre 4 está marcada para sexta-feira. Autarquia não manda abaixo a torre 1, conhecido "supermercado de droga", por não aceitar realojar "uma parte muitíssimo significativa" dos moradores.

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Câmara descreve a torre 1 como um "entreposto" de droga Paulo Pimenta/Arquivo

A Câmara do Porto acusa o sistema judicial de não a ajudar a recolher meios de prova que lhe permitam despejar "uma parte muitíssimo significativa" dos 103 moradores da torre 1 do Bairro do Aleixo.

Num comunicado sobre a demolição da torre 4 do bairro camarário que está agendada para sexta-feira, a câmara assume que a demolição da torre 1, a mais problemática do bairro, "só deverá acontecer depois de esgotadas todas as formas" que possam dispensá-la da obrigação de realojar noutros bairros os alegados traficantes de droga.

Já várias pessoas se questionaram por que motivo a Câmara do Porto optou por iniciar a demolição do Aleixo pelas torres 5 (demolida em Dezembro de 2011) e 4 (com a demolição prevista para sexta-feira), quando o edifício mais degradado e problemático do bairro é, reconhecidamente, a torre 1. O município vem agora explicar que não pretende realojar a maior parte dos moradores deste edifício, por considerar que eles utilizam a habitação para fins diferentes dos previstos.

"Do edificado, a torre n.º 1 é a mais problemática. Como é sabido, é nesta torre que se concentra o tráfico de droga e é mais frequente a detenção de armas proibidas", refere o comunicado divulgado nesta tarde no site da autarquia, descrevendo o ambiente daquele prédio como "criminógeno". A torre, acrescenta-se no documento, transformou-se "num centro de consumo e tráfico de droga e da delinquência, que segue a sua rota, num verdadeiro 'paraíso' de traficantes e passadores, que ali fundaram um entreposto efectivo".

Segundo o mesmo comunicado, a empresa municipal Domus Social "tem notícia de um conjunto de factos relativos a agregados familiares, residentes na torre n.º 1, aos quais foi, em tempos, concedido o direito de habitação social, e que são susceptíveis de determinar, no presente, a cessação de utilização do fogo e o subsequente despejo, designadamente por mau uso do locado". E é aqui que as coisas se complicam.

A câmara necessita de provas de que as famílias em causa se dedicam, de facto, ao tráfico de droga nas suas habitações, mas os suspeitos (ou parte deles) têm sido ilibados dos processos judiciais em que se vêem envolvidos. "São conhecidos processos em que foram absolvidos concessionários do direito de habitação, ou familiares com eles residentes, com fundamento no princípio in dubio pro reo", explica a câmara liderada por Rui Rio. O comunicado acrescenta: "Numa justiça de malha larga, os arguidos podem escapar pela igualdade das premissas: o produto está em sua casa, mas não é deles; é recebido, preparado, embalado e repartido nas suas residências, mas não dão conta de nada, não se apercebem de nada, não vêem, nem ouvem, nem sabem de nada...".

A Justiça tem sido um dos sectores mais criticados por Rui Rio ao longo dos seus mandatos, a par da comunicação social. No comunicado agora tornado público, e a propósito das decisões judiciais envolvendo moradores do Aleixo, afirma-se que "a Justiça, porventura o mais abalado dos pilares do Estado de Direito democrático, parece por vezes 'ter razões que a razão desconhece'", e é mesmo citado o exemplo de uma decisão em que se refere que "não foi possível apurar" se os estupefacientes, alegadamente encontrados na sanita e no sifão de um quarto de banho de uma habitação no Aleixo, pertenciam, de facto, à pessoa que acabara de puxar o autoclismo durante uma busca domiciliária. 

Já na edição deste mês da revista camarária Porto Sempre eram referidos três exemplos de decisões judiciais, alegadamente relativas a moradores da torre 1, em que o tráfico não fora dado como provado. Agora, no comunicado sobre o processo de demolição da torre 4, a câmara acusa: "A incapacidade e a ineptidão do sistema judicial revelam-se em muitas fases do processo: por vezes, na deficiente recolha e conservação dos indícios de crime, na sua prova e cabal demonstração em julgamento, nos escrúpulos e garantismos, muitas vezes excessivos, isto para não falar das proverbiais demoras e dilações permitidas pelo sistema. O resultado final não pode ser outro senão um sentimento de alguma impunidade e de frustração, que mina a sociedade nos seus alicerces fundamentais."

O município afirma que "os que se dedicam ao crime a fazem das habitações municipais o centro da actividade criminosa não devem esperar da câmara outra coisa senão o despejo" e garante que a torre 1 não será demolida até se esgotarem "todas as formas" de o conseguir. Não é, contudo, previsível que Rui Rio consiga demolir qualquer outro edifício do Bairro do Aleixo, para lá da torre 4, antes do final deste seu derradeiro mandato.
 
 

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