Câmara de Vouzela quer requalificar complexo mineiro abandonado há 30 anos

As minas da Bejanca foram descobertas há cem anos. A autarquia quer requalificar o couto mineiro que alimentou a indústria bélica das duas guerras mundiais. Ainda há quem se lembre de um lugar que foi “quase uma cidade".

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Nelson Garrido
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Sete casas habitadas e mais do dobro em ruínas fazem agora as minas da Bejanca. A população do lugar que deu o nome às minas é constituída por uma dúzia de habitantes e são eles que mantêm viva a memória deste local que chegou a ser um importante pólo populacional do concelho de Vouzela.

Ali nasceram e ali decidiram ficar. “Alguém tem de guardar isto”, comenta um deles, Sérgio Silva. Ele faz parte da família que representa 90% dos moradores do complexo mineiro que terminou a sua actividade há 30 anos.

As minas da Bejanca, situadas na freguesia de Queirã, a uma dúzia de quilómetros de Viseu, chegaram a ser o centro e sede de um dos maiores coutos mineiros de Portugal e da Europa. Dali saíram muitos milhares de toneladas de volfrâmio e estanho para alimentar a indústria do armamento durante as I II guerras mundiais, a época de ouro do complexo, e ainda durante a Guerra da Coreia. O interesse militar da exploração provinha do facto de o volfrâmio, nome comum do tungsténio, ser, entre todos os metais, aquele que possui a temperatura de fusão mais elevada (3410º C). 

A  exploração em Bejanca foi controlada ao longo do tempo por ingleses e alemães e chegou a dar trabalho a mais de 10 mil pessoas nos anos 40. Um século depois de os filões serem descobertos, o lugar é hoje um espaço onde a vegetação tomou conta de quase tudo o que ali ficou depois do fim da extracção, na década de 80, ditado pela queda do preço do minério.

Desapareceu o posto médico e o posto da GNR. Em ruínas vislumbram-se as paredes do que foi a central eléctrica (ainda com a sua imponente torre de 40 metros), a oficina, a lavandaria, a carpintaria e a casa-forte. Ficaram os descendentes daqueles que há mais de 80 anos se tornaram mineiros.

Com 60 anos, Sérgio Silva passou muitos deles como trabalhador das minas. Escavou filões e trabalhou com máquinas. Seguiu os passos dos pais. “Aos 17 anos (em 1936) já a minha mãe britava minério. O meu pai chegou mais tarde. Na década de 60 decidiram adquirir um casa que tinha sido posto médico e instalaram-se definitivamente. Nós também por cá ficámos”, conta Madalena Silva, irmã de Sérgio. 

Os Silvas de agora guardam muitas memórias, não só do tempo em que os seus ali trabalharam, mas sobretudo das histórias que os pais contavam. “Eram alturas de muito dinheiro. Havia pessoas que até iam de propósito ao Porto só para engraxar os sapatos e acendiam os cigarros com notas”, diz José Silva, outro irmão, evocando uma dessas histórias. 

Lurdes, a mais nova, também recorda o tempo em que usava os montes de areia como escorregas e tinha de controlar a quantidade da água para lavar o minério. 
 
Em 1986 o complexo mineiro encerrou. Chegava assim ao fim um longo período marcado por altos e baixos e com ele a presença dos alemães na região. Era o princípio do abandono de uma vasta área que no subsolo esconde uma labiríntica rede de galerias. 

Vinte e seis anos depois, no final de Julho de 2012, o Ministério da Economia celebrou um contrato com a Minerália, uma empresa portuguesa ligada a uma sociedade mineira de capitais canadianos, com o objectivo de estudar, durante um período que pode ir até sete anos, a viabilidade da reactivação das minas.

Não se conhecem ainda quaisquer conclusões das prospecções e estudos realizados, para avaliar as reservas de volfrâmio, estanho, cobre, ouro, prata, chumbo e zinco ali existentes.

Seja como for, quem vive na Bejanca não tem dúvidas: “Há aqui muita história enterrada, muitas memórias que deveriam ser preservadas. O lugar merecia uma grande requalificação”. 

Esse é também um dos objectivos da Câmara de Vouzela, que defende a necessidade de, numa primeira fase, os proprietários dos terrenos ou o Estado avançarem para uma requalificação que assegure a segurança das áreas mais perigosas. “Há poços abertos e áreas que necessitam ser vedadas”, salienta o presidente da cãmara, Rui Ladeira. 

O autarca acrescenta que, para já, e dentro das suas competências,  município vai avançar com a criação de uma rota pedestre do volfrâmio e de um espaço museológico para preservar “uma actividade que durante décadas foi o motor económico do concelho”.

Livro assinala centenário
Fernando Vale, um professor que é sobrinho-neto do homem que descobriu a riqueza mineira da Bejanca, dedicou mais de dez anos a investigar a história do complexo. O resultado está no livro Minas da Bejanca – História(s) de Terras e Gentes. As muitas histórias que o autor ouviu contar pela boca do pai levaram-no a deitar mão à obra para que essas memórias fossem preservadas.  

Dividido em cinco capítulos, o livro começa com uma abordagem científica dos minérios. O segundo capítulo fala da sua exploração em Portugal e o terceiro dedica-se às Minas da Bejanca. No quarto, Fernando Vale discute as vantagens e desvantagens da sua exploração. Por fim, transcreve algumas histórias de quem trabalhou nas minas, como a do médico Sá Correia. Este, que durante três anos ali prestou serviço, assistiu ao “único acidente mais grave” registado no complexo, quando dois mineiros ficaram debaixo de terra. 

O livro foi apresentado no início deste mês por ocasião da festa que assinalou os cem anos da descoberta das minas e foi entregue um exemplar aos mineiros vivos, que então foram homenageados.

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