Câmara de Lisboa arrasou dezenas de barracas de mendigos e arrumadores de carros

Os serviços de limpeza da autarquia, com o apoio da Polícia Municipal, destruíram e despejaram em contentores de lixo, no passado dia 20, cerca de 30 abrigos precários de cidadão romenos que pedem esmola nos cruzamentos da cidade.

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Não foi no pino do Verão, nem nos moldes habituais de intervenção dos serviços de acção social do município. Na quarta-feira da semana passada, dia em que a temperatura mínima registada atingiu os 8º, os serviços do Departamento de Higiene Urbana da Câmara de Lisboa, com o apoio de efectivos da Polícia Municipal, deitaram por terra um acampamento precário de ciganos romenos que estava instalado por baixo de um viaduto do Eixo Norte-Sul, entre Sete Rios e Campolide.

A operação foi desencadeada durante a manhã, altura em que as largas dezenas de pessoas que ali estavam alojadas há algumas semanas se encontravam ausentes, espalhadas pela cidade, a mendigar e a arrumar carros. Ao fim do tarde, ao regressarem, os homens e mulheres que ali pernoitavam, cozinhavam e se aqueciam em inúmeras fogueiras visíveis de algumas vias rápidas que envolvem aquela terra de ninguém não encontraram nada.

Nem as barracas feitas de estruturas de canas secas atadas com trapos e cobertas de caixotes de papelão espalmados, nem os haveres que não tivessem levado consigo, ou escondido nalgum buraco, como fazem com frequência, nem o muito lixo, incluindo, segundo a Polícia Municipal, "colchões velhos, roupas imundas e fezes humanas" que lá estava.

Nada. Tudo tinha desparecido. Ficaram apenas os montículos de pedras e as cinzas que haviam sobrado das fogueiras da véspera. A reportagem do PÚBLICO esteve no local na manhã seguinte e estava à vista que algo tinha acontecido. Se o grupo tivesse abandonado o acampamento por sua iniciativa, como faz por vezes, quando opta por se estabelecer noutros locais, ou regressar temporariamente à Roménia, como sucede no Verão, as barracas estariam de pé e o lixo permaneceria no local. Os hábitos destas populações seminómadas não valorizam o ambiente e a higiene.

No dia seguinte, sexta-feira, o terreno, onde apenas se chega atravessando os perigosos acessos ao Eixo Norte-Sul e à Radial de Benfica, já voltara, porém, a ter sinais de vida. Uma dezena de estruturas de canas, ainda sem cartões e panos a cobri-las, já estava meio montada (ver foto). Ao fim do dia desta quarta-feira já eram novamente largas dezenas as barracas, as fogueiras e os maltrapilhos que ali se encontravam.

Questionado logo na quinta-feira da semana passada sobre o desaparecimento das barracas, o gabinete do vereador João Afonso, responsável pelo pelouro da Acção Social da Câmara de Lisboa, respondeu que nem os serviços da autarquia, nem a Polícia Municipal tinham tido qualquer intervenção no local na véspera.

Todavia, no dia seguinte, o comandante da Polícia Municipal respondeu por escrito a um conjunto de perguntas do PÚBLICO. Sim, de facto, a polícia esteve no local para "dar apoio aos funcionários da Câmara Municipal de Lisboa, na limpeza do terreno". O texto explica que "foram retiradas cerca de 30 construções clandestinas", acrescentando que  os ocupantes do espaço tinham o local "cheio de lixo diverso, nomeadamente colchões velhos, roupas imundas e fezes humanas".

"Todo o material foi retirado, foi depositado num contentor de recolha de resíduos, para posteriormente ser reciclado", explica a polícia. "Não foram detectadas pessoas ilegais, visto não haver ninguém no local; contudo, esclareço que os romenos pertencem à Comunidade Europeia. São pessoas que se levantam cedo e abandonam o local para se dedicarem à mendicidade em vários locais da cidade."

A Polícia Municipal informa ainda que no mesmo local já foram este ano efectuadas operações semelhantes a 16 de Janeiro, 5 de Março, 8 de Abril, 5 de Junho, 23 de Setembro, 24 de Outubro. O texto enumera igualmente três outros locais da cidade onde têm sido feito idênticas operações de limpeza em apoio do Departamento de Higiene Urbana da autarquia.

Contactada ontem pelo PÚBLICO, uma assessora do vereador João Afonso afirmou que os serviços dependentes daquele vereador não tiveram qualquer conhecimento da operação do dia 20 e que o comandante da Polícia Municipal informou o gabinete, na semana passada, de que ela não tinha ocorrido. A mesma fonte salientou que o problema dos imigrantes romenos é particularmente complexo, devido à natureza e comportamento destas populações, que recusam qualquer espécie de apoio institucional, reafirmando que neste caso o Departamento de Desenvolvimento Social não interveio, nem foi informado.

Já o vereador da Higiene Urbana, Duarte Cordeiro, fez saber que "nestas situações a câmara procura sempre, através do Departamento de Desenvolvimento Social, sensibilizar as pessoas para aceitarem outras propostas, já definidas com outros parceiros, como a Santa Casa da Misericórdia, ou o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, de espaços de pernoita".

Neste caso, segundo o pelouro da Acção Social, nada disso aconteceu.

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