Câmara de Gaia pronta para pedir saneamento financeiro de 30 milhões de euros

Município mantém a expectativa de poder fugir ao Fundo de Apoio Municipal, apesar de ainda estar pendente de decisões judiciais.

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Orçamento de 2014 da Câmara de Gaia terá uma quebra de vinte milhões de euros face a 2013 Fernando Veludo/NFactos

Os números não são tranquilizadores. A dívida directa da Câmara de Gaia é, neste momento, de quase 199 milhões de euros e, se a este valor se acrescentar as dívidas das empresas municipais, então os números disparam para quase 319 milhões de euros. Contudo, nem toda a dívida entra nas contas que estipulam se um município é ou não obrigado a recorrer ao Fundo de Apoio Municipal (FAM), e, para esse efeito, a dívida de Gaia é de 280 milhões de euros. O presidente da autarquia, Eduardo Vítor Rodrigues, tem andado a mostrar estes e outros números aos directores municipais, explicando quão perto a câmara esteve de ter de recorrer ao FAM e como será obrigada, por lei, a pedir um saneamento financeiro “que nunca será superior a 30 milhões de euros”.

“O meu regozijo é que nós fugimos ao FAM por 28 milhões de euros. O nosso limite são 308 milhões, temos uma dívida relevante para o FAM de 280 milhões de euros (ficam de fora as operações de tesouraria, por exemplo, as imparidades), e entre 1 de Setembro de 2013 e 1 de Setembro de 2014, a redução do passivo da câmara municipal foi de 32 milhões de euros. O que significa que não vamos ao FAM por causa da estratégia de gestão que acabamos por assumir neste mandato”, diz o autarca socialista. Eduardo Vítor Rodrigues garante que neste momento tem “tudo pronto” para apresentar a sua proposta à administração do FAM – só que esta ainda não existe. “A administração do fundo ainda não foi nomeada, mal isto aconteça, esta tem 30 dias para notificar os municípios para se posicionarem. Nós estamos prontos. Se amanhã me dissessem, podes avançar, nós avançávamos”, diz.

O saneamento financeiro é feito com recurso a um empréstimo bancário pago a 14 anos e obtido através de concurso público, que prevê um ano de carência. Este empréstimo destina-se a pagar a dívida a curto prazo (a fornecedores), transformando-a em dívida de longo prazo, o que permite “um alívio de tesouraria e reorganizar a gestão a partir do zero”, refere o autarca. Eduardo Vítor Rodrigues garante que o empréstimo na ordem dos 30 milhões “cobre a totalidade da dívida do curto prazo, excepto as renegociações que já foram feitas”.

E, nestas renegociações estão dívidas próximas dos 15 milhões de euros, que a câmara tinha com quatro fornecedores - a Suldouro (quase 6,2 milhões), a SUMA (4,7 milhões), a EDP (1,7 milhões) e um fundo imobiliário (perto de 1,6 milhões). “A renegociação permitiu que estas empresas nos perdoassem os juros e que nós paguemos faseadamente. Qual é o nó górdio da negociação? É pagar. Porque já no passado tinha havido renegociações, mas se não se paga, daqui a bocado, ninguém confia em ninguém. Nós temos estado a pagar religiosamente”, garante.

Perante a situação financeira da autarquia, o recurso ao saneamento financeiro é o melhor cenário a que a Câmara de Gaia pode aspirar, já que há condicionantes que a podem ainda obrigar a recorrer ao FAM.

Desde logo “se a banca, por uma questão estratégica, não se apresentar ao saneamento financeiro”, isto é, não se apresentar a concurso, explica o autarca. Por outro lado, mantém-se ainda num limbo a resolução de processos judiciais que podem custar à câmara 69 milhões de euros. Destes, dois processos constituem o grosso das indemnizações pedidas e já decididas judicialmente contra a autarquia – 32 milhões de euros para Cimpor e 30 milhões para o processo da VL9. Eduardo Vítor Rodrigues manteve, nos últimos meses, a expectativa de conseguir um acordo extrajudicial que permitisse baixar substancialmente o valor das indemnizações, mas, neste momento, essa possibilidade parece cada vez mais improvável e o autarca deposita as esperanças noutro lado.

“Houve contactos iniciais, mas com a Cimpor as negociações ficaram muito complicadas a partir do momento em que ela vendeu a dívida a um fundo luxemburguês, e no caso da VL9 há um grande desfasamento de contas [entre as duas partes]. Além disso, quando tomei posse, os processos já estavam no Constitucional e a expectativa de vitória da outra parte dificultou também a negociação. A minha expectativa é que o tribunal venha a perceber que os valores em jogo são absolutamente exorbitantes e também que o pedido que fizemos ao Ministério Público, para olhar para estes processos, dê alguns frutos”, diz o presidente da Câmara de Gaia.

É que, conforme explica a compilação das contas feita pelos serviços técnicos da autarquia, basta que o processo da Cimpor seja definitivamente decidido a favor da empresa, para que o município já seja obrigado a recorrer ao FAM.

E isso, além de limitar drasticamente a possibilidade de investimento da autarquia, iria fazer cair por terra aquele que é um dos grandes objectivos de Eduardo Vítor Rodrigues para 2015: baixar o IMI e o IRS, já que ambos teriam de ser aplicados à taxa máxima e o preço da água, que seriam fixados pelo FAM. O autarca também não poderia, provavelmente, pensar em cativar empresas com recurso a benefícios fiscais e isenções de taxas, como quer fazer em 2015. Gaia continua à espera de poder recorrer ao mal menor.

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